Moradores da periferia de SP lutam por espaços culturais

O acesso à cultura ainda é privilégio de poucos em São Paulo. Enquanto o centro da cidade concentra as mais variadas opções de lazer, a população da periferia tem que enfrentar horas de transporte público para usufruir do direito à cultura.

A situação se repete de norte a sul na capital. Quanto mais distante é o bairro da região central, menos opções culturais existem, o que vem fazendo com que os próprios moradores arregassem as mangas e abram os bolsos para mudar essa situação.

”Não temos cinema, teatro, nada perto, para qualquer atividade temos que nos deslocar muito”, desabafa a estudante universitária Camila Viana, de 19 anos, moradora de Ermelino Matarazzo, no extremo leste da cidade.

A Zona Leste, área mais populosa da capital paulista, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 3,9 milhões de habitantes, 35% do total de moradores de São Paulo, é a que possui menos equipamentos culturais.

Dados da Rede Nossa São Paulo de 2010 revelam as desigualdades entre as periferias e as áreas mais ricas. Enquanto na região central, administrada pela subprefeitura da Sé, há 147 salas de teatro, 53 de cinema e 38 museus, na área da subprefeitura de Ermelino Matarazzo, onde Camila mora, não há nenhum desses espaços.

Ação dos moradores

Mesmo sem os espaços físicos tradicionais, as manifestações artísticas têm se disseminado nas periferias de São Paulo, de saraus literários a apresentações teatrais, estabelecendo um cenário cultural formado por pessoas engajadas na tentativa de promover transformações sociais por meio da arte.

Em Ermelino Matarazzo, diversos artistas, grupos e coletivos de cultura estão mobilizando a população a lutar para que a prefeitura instale uma Casa de Cultura no bairro, projeto municipal de espaço dedicado a entretenimento, oficinas, teatro, salas de literatura, música.

Há mais de 20 anos os moradores aguardam pela efetivação deste projeto e desde 2008 os movimentos e coletivos culturais estão se articulando em uma rede, solicitando à Prefeitura que destine um endereço para a instalação do espaço.

Em setembro do ano passado, foi liberada pela Câmara dos Vereadores uma emenda orçamentária de R$270 mil, para os gastos com locação e manutenção do equipamento cultural, mas até agora, o projeto não saiu do papel.

Sem espaços, sem documentos

palanque 2”Os responsáveis alegaram a falta de estrutura em alguns espaços e em outros falta de documentação. Dos imóveis cotados, eles informaram que não seria possível, mas também não indicaram nenhuma outra possibilidade”, afirma Bruno Veloso, coordenador da Associação de Arte e Cultura Periferia Invisível.

Para pressionar os órgãos municipais responsáveis, os artistas da região criaram o Manifesto Cultural em Prol da Casa de Cultura de Ermelino Matarazzo, realizando intervenções de poesia, música e teatro nas praças do bairro.
Além disso, eles gravaram dois Clique vídeos, disponíveis na internet que explicam a Clique necessidade do espaço cultural.

”É importante o distrito possuir um espaço público de cultura, onde a troca artística possa acontecer, eventos organizados pelos moradores possam ser realizados, assim como trazemos eventos de outros artistas de outras regiões para a nossa, é importante a existência desse circuito cultural”, defende Veloso.

Outro bairro, mesmo drama

Situação semelhante acontece no outro extremo da cidade, no bairro de Perus, zona norte, onde os moradores se reuniram e montaram seu próprio espaço para driblar a falta de espaços culturais. Assim, nasceu a Comunidade Cultural Quilombaque, que existe há sete anos, gerida de forma auto-sustentável.

O espaço abriga uma série de atividades e oficinas culturais gratuitas. De 15 em 15 dias, há um sarau, que traz poetas e também apresentações dos grupos artísticos locais. Mas o ambiente está começando a ficar pequeno para o tanto de grupos que estão surgindo no bairro, que possui 150 mil habitantes, mostrando que a cena cultural da periferia precisa mesmo é de incentivo, já que talentos existem de sobra.

Para o coordenador da Comunidade Cultural Quilombaque, José Queiroz, a cultura pode ser um elemento-chave para o indivíduo se emancipar e potencializar sua criatividade.

”Compreendemos que o fruir ou fazer cultura aciona e desenvolve aspectos articulados sistematicamente: atende a um direito constitucional e humano, de fruição e exercício artístico cultural, promovendo a inclusão cidadã e forma também um mercado profissional cultural, gerando emprego e renda para quem quer viver de arte”, afirma.

Patrimônio abandonado

palanque 3Da mesma forma que a comunidade de Ermelino Matarazzo luta por uma casa de cultura, os moradores de Perus também se movimentam para construir o primeiro centro cultural no bairro, no espaço onde funcionou por 50 anos a antiga Fábrica de Cimento de Perus, tombada como patrimônio histórico da cidade de São Paulo desde 1991.

Atualmente, a fábrica está completamente abandonada e em ruínas, além de ter se tornado ponto de drogas, de acordo com alguns moradores.

O grande objetivo é ter um espaço que resgate a luta dos trabalhadores e que ofereça lazer para os moradores locais. No dia 4 de agosto, essa luta foi retomada, com um Clique ato artístico organizado pelo Grupo Pandora de Teatro em conjunto com a Quilombaque. Os moradores estão se organizando para decidir os próximos passos para a reabertura e desapropriação da fábrica.

”Eu acredito que, com o teatro, nós podemos ganhar no diálogo, pois é uma força de comunicação, mesmo que seja uma comunicação sensorial, fazendo com que as pessoas também se reconheçam naquela história como parte daquilo”, afirma o diretor do Pandora, Lucas Vitorino, coletivo que também está lutando pelo centro cultural.

”Falar da história da fábrica e dessa resistência de sete anos de greve não é só falar da história de Perus, mas também da história do Brasil”, afirma.

Em Ermelino Matarazzo, a estudante Camila acredita que a casa de cultura local pode contribuir para que as pessoas, principalmente os jovens, se apropriem do local onde moram: ”Será bom para nos mantermos perto de casa, dá incentivo para participar mais das atividades e se conscientizar de que o próprio bairro tem o seu valor e sua cara”.

”Se nossa perspectiva é de promover o desenvolvimento humano nas periferias, temos que formar artistas na perspectiva de formar lideranças transformadoras. Por isso, além da formação técnica é preciso criar condições locais e fortalecer as organizações para que elas consigam trazer recursos e sustentar o circuito”, diz José Queiroz, da Quilombaque.

* Lívia Lima é moradora de Ermelino Matarazzo e Jéssica Moreira, moradora de Perus. Ambas são jornalistas e blogueiras e integrantes do Clique Blog Mural.

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