Movimentos sociais protestam contra PL 701 do governador do Pará

Geledés ouviu entidades que se manifestam contra com a extinção de várias secretarias, incluindo a de Igualdade Racial e a de Direitos Humanos

Imagem retiradas do Instagram do SINJO

Nesta terça-feira 17, movimentos sociais do Pará, incluindo entidades do movimento negro, publicaram uma carta contra o Projeto de Lei 701/2024, apresentado à Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) pelo governador Helder Barbalho, com mais de 100 páginas, que prevê a reestruturação de 12 secretarias estaduais. O PL foi enviado à Alepa pelo governador paraense no dia 10 deste mês, Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, com um pedido de urgência constitucional, baseado no artigo 107 da Constituição Estadual, com a evidente intenção de ser implementado o mais breve possível. Os movimentos sociais chamam atenção ao fato de o projeto de lei ter sido lançado avidamente, às vésperas do recesso parlamentar, sem haver consulta pública.   

Para o movimento negro, no cerne do Projeto de Lei 701/2024 está a diluição da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH), que junto à Secretaria da Mulher (SEMU) deverá ser absorvida, de forma ainda desconhecida, pela Secretaria da Mulher, da Família e Direitos Humanos (SEMUFDH), curiosamente com o nome utilizado por Damares Alves (PL), hoje senadora e ex-chefe dessa pasta no governo Bolsonaro. Ainda neste projeto está previsto que a Secretaria de Esporte e Lazer faça parte da Secretaria de Turismo. 

A Secretaria de Agricultura Familiar (SEAF) também deverá ser absorvida, com possíveis impactos para as comunidades quilombolas e rurais, como alerta o comunicado dos movimentos sociais. Segundo o texto, a “política de promoção da igualdade racial foi totalmente desestruturada, a ponto de não conter previsão sobre as comunidades quilombolas e povos tradicionais de matriz africana, enfraquecendo políticas específicas para igualdade racial e direitos das comunidades quilombolas e periféricas”.

A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e entidades parceiras também lançou um manifesto. “Ao extinguir e agrupar secretarias, o governo impõe um retrocesso inadmissível para políticas públicas importantes para nosso povo. A sociedade paraense acumulou muitos debates, energias, formulações e proposições, a ponto de estabelecermos a necessidade de termos secretarias de estado parar tratar de especificidades, pois isso amplia a previsão orçamentária, desburocratiza a execução de política e torna efetivas as ações governamentais”.

De acordo com o ativista Jorge André Silva, integrante do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa), após anos de paralização, os conselhos estaduais estavam sendo aos poucos retomados. Em dezembro de 2023, por exemplo, a Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH) empossou 17 entidades da sociedade civil no Conselho Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Coneppir). 

Porém, segundo Silva, esse movimento de reestabelecimento dos conselhos com a participação da sociedade civil sofreu um revés depois das últimas eleições municipais. “Construímos o Conselho Estadual de Direitos Humanos, o Conselho de Igualdade Racial. Mas o cenário mudou após a eleição do prefeito que é um apêndice do governo estadual. A única capital produzida pela esquerda sofreu uma derrota e resultou na eleição de um primo do governador e o empoderamento de uma casta que a gente sempre combateu. O PL 701 se insere exatamente aí. A proposta, em tese, não é de extinção, mas de realocação da pasta coincidentemente chamada pela proposta da Damares”, afirma ele. Nesse caso, o prefeito eleito de Belém citado é Igor Normando (MDB), primo do governador paraense Helder Barbalho e do ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, e sobrinho do senador Jader Barbalho (MDB), ex-governador do Pará. A família abertamente apoiou a eleição de Normando para prefeito de Belém.

“Precisamos que nossas pautas sejam alcançadas em outros lugares e confirmar o compromisso da (permanência) da Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEIRDH). Ela é uma secretaria instituída em 2023 e que pode ser desmantelada em 2024. Estamos em um momento de tensão”, afirma a Geledés Roberta Sodré do Cedenpa.

Roberta e Silva destacaram o trabalho relevante da sociedade civil junto aos conselhos da Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos. Hoje, a SEIRDH tem sua estrutura organizacional constituída pelo Conselho Estadual da Diversidade Sexual, Conselho de Juventude do Estado do Pará (COJUEPA), Conselho Estadual de Política de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Gestor do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Pará, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) e Conselho Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (CEPDDH). Recentemente, foram criados o Conselho gestor do FUNTRAD e o Conselho Estadual da Política Quilombola. Porém, caso o PL seja aprovado fica indefinida a situação desses conselhos ou até mesmo a sobrevivência deles. 

“O PL veio sem nenhum alarde. Para nós, o maior prejuízo é o modelo de gestão da Igualdade Racial que está em jogo. A questão política que está colocada é a desconstrução do diálogo com o movimento popular, o movimento negro, as comunidades quilombolas, os terreiros, os organismos de pesquisa e construção de conhecimento”, diz Silva. 

Entidades como o Fórum Permanente de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana de Terreiro do Pará (FOPAFRO) se manifestaram sobre os impactos do PL, em especial na população negra paraense. “A proposta de unir a SEIRDH e a SEMU em um único órgão, a Secretaria da Mulher, Família e Direitos Humanos (SEMUFDH), sinaliza um retrocesso alarmante na luta pelos direitos humanos e pela equidade. Tal decisão ignora a histórica complexidade e diversidade das questões enfrentadas por diferentes grupos sociais, como mulheres, populações negras e demais segmentos que compõem a sociedade. Junções simplistas não resolvem problemas, mas sim podem criar barreiras e dificultar o avanço de conquistas arduamente alcançadas ao longo dos anos”, diz o manifesto.

A reportagem de Geledés entrou em contato com a gestão de Helder Barbalho para pedir um posicionamento em relação ao manifesto dos movimentos sociais, sobretudo sobre os impactos em relação às comunidades quilombolas, e questionou também o momento de enviar o PL à Alepa, às vésperas do recesso parlamentar. E recebeu a seguinte resposta: “O Governo do Pará informa que estuda uma reestruturação da gestão pública pensando na modernidade e economicidade, para trazer mais investimentos e garantir estrutura administrativa otimizada, focada no alcance de resultados mais eficazes da Administração Pública. Após a conclusão, esta análise será enviada para a Alepa.”

O Ministério da Igualdade Racial também foi contatado pela reportagem de Geledés. “A reestruturação proposta pelo governo do Pará, a ser debatida na assembleia estadual, deve ser vista com atenção. Há o risco de despotencializar áreas fundamentais para a promoção da igualdade e dos direitos sociais. Ao diluir secretarias corre-se o risco de enfraquecer políticas específicas. A promoção da igualdade racial exige investimento de áreas transversais como comunicação pública, cultura e esporte, agenda que deve ser considerada nos debates sobre o tema”, informa o comunicado do ministério.

O Projeto de Lei 701/2024 também produzirá impactos nas áreas da Cultura e da Educação, com previsão de extinção da Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa) e da Fundação de Apoio para o Desenvolvimento da Educação Paraense (Fadep). Nas redes, servidores da Funtelpa e apoiadores, após terem feito um protesto na sede da Alepa no dia 17, lançaram a campanha Fica Funtelpa! de apoio à organização. 

Segundo Adelaide Oliveira, da ONG Circular, “a Funtelpa salva vidas da periferia com entidades como a Casa da Linguagem e o Curro Velho”. “O Curro Velho dá oficinas e está localizado na Vila da Barca, (em Belém), em uma área de periferia, de palafitas. Ele se tornou um divisor de águas na vida dessas pessoas; é um sol para essas comunidades”, afirma ela a Geledés. 

A ativista explica também que a Fadep faz um papel essencial para as comunidades pobres, pretas paraenses. “A fundação tem essa função de promover a leitura no Estado”. Sobre os cortes nos orçamentos, ela afirma que “tudo ocorreu sem nenhuma discussão, sem nenhuma consulta”. E acrescenta a fala do ministro Jader Barbalho Filho de dizer ter sido “pego de surpresa”.

Após as manifestações dos movimentos sociais na Alepa, o Sindicato de Jornalistas do Pará (SINJOR-PA) soltou uma nota afirmando que teve suas redes sociais invadidas. “Os indícios apontam para uma ação orquestrada por diversos perfis falsos, todos defendendo as ações do Governo Estadual. Diante dos ataques virtuais, a diretoria do Sindicato coletou os materiais e decidiu entregar cópias à Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos (DECCC), a fim de que o possível crime digital seja devidamente investigado. A entidade quer que sejam identificados os IPs dos perfis falsos e descoberta a motivação desta ação orquestrada, bem como possíveis financiadores”, afirma a nota. Na quarta-feira, 18, também em frente à Alepa, foi a vez de os professores da rede pública protestarem contra o PL 701, com o objetivo de barrá-lo. O ato público foi interceptado pela Polícia Militar e Batalhão de Choque, com a utilização de bombas de gás e impedimento de acesso ao local. Representantes dos movimentos sociais alegam haver falta de diálogo com o governo paraense. 

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