“Mulher de malandro” e a normalização da violência doméstica

“Mulher de malandro, aquela que apanha mas não deixa de amar. Toma porrada, mas sempre volta para quem lhe maltratou.”, diz o post comparando, segundo o autor, o comportamento da vítima de violência doméstica ao do torcedor da seleção brasileira.

por Nádia Lapa

Muita gente diria que, de fato, os torcedores vivem nessa relação não só com a seleção, mas com o time de coração. Mas dá para comparar a torcida com uma relação doméstica, em que há muito mais coisa envolvida do que gols (e orgasmos, como, novamente, diz o autor)?

Repetimos discursos extremamente agressivos sem parar para pensar no significado por trás deles. “Mulher de malandro” é uma das expressões que já deveriam ter sido enterradas, esquecidas, apagadas. Ela normaliza a violência doméstica, ao fazer piada com um assunto sério, tema de estudo de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) cuja votação acontece nesta quinta-feira (4).

Dizer que a mulher “toma porrada, mas volta” é colocar na vítima a responsabilidade pela violência sofrida, absolvendo o agressor. “Ficou porque quis”, dizem. Ignoram os motivos que a fazem ficar. Segundo pesquisa de 2011 do Instituto Avon/IPSOS, 27% das mulheres permanecem com o agressor por falta de condições econômicas. Em segundo lugar fica a preocupação com a educação dos filhos (20%).

Logo depois vem o medo de ser assassinada pelo companheiro (15%). O temor não é descabido: 10 mulheres são assassinadas por dia no Brasil, sendo que 41% dessas mortes acontecem dentro de casa. Os números altíssimos de violência doméstica colocam o país no 7º lugar do ranking mundial das agressões contra mulheres. Ainda há que se levar em consideração o fato de que grande parte dos casos não chega ao conhecimento das autoridades. De acordo com o relatório da CPMI, 55,7% das vítimas de agressão não procurou a polícia, grande parte em razão de acreditar que sofreriam uma represália (33,1%).

Mesmo que os números sejam importantes para dar a dimensão do que é a violência doméstica e a violência de gênero (isto é, a mulher é agredida apenas por ser mulher), eles não dão conta da profundidade do tema. A pessoa envolvida em uma relação abusiva, que não necessariamente envolve agressão física, tem muita dificuldade em se libertar.

O abusador faz questão de humilhar e diminuir a vítima, com o fim de aniquilar a força e a autoestima necessárias para ela sair daquela relação. Entre os métodos utilizados pelo agressor está, por exemplo, o corte dos laços da vítima com amigos e familiares; assim, ela não terá a quem pedir ajuda.

A relação começa normal, muitas vezes cheia de atenção e carinho, e a violência vai aumentando à medida em que a dependência se estreita. A vítima então acredita que é só uma fase, que é amor demais, que ele perdeu a cabeça por algo de errado que ela fez. Ela também sente vergonha em denunciar, muitas vezes porque será considerada culpada pela situação, a tal “mulher de malandro”.

A própria vítima se vê como errada. Afinal, se todos os sinais dados pela sociedade são exatamente nesse sentido, como ela poderia pensar diferente? Se quisermos acabar com a violência doméstica, precisamos dar outros sinais, para que esta mulher possa se libertar e viver dignamente.

 

 

 

Fonte: Feminismo Pra Quê?

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