Mulher negra: o outro do outro

Desde pequena tive problemas em me aceitar, principalmente os meus cabelos. 

por Djamila Ribeiro Do Lugar de Mulher

Lembro da minha mãe esquentando o pente de ferro no fogão e passando nos meus cabelos para alisá-los e, por mais que às vezes eu me queimasse, eu queria fazer aquilo. Depois passei pra chapinha de fogão, que alisava um pouco mais. Para a química foi um pulo, e as escovas, e as pranchas. Fui sentir a textura do meu cabelo novamente somente aos 24 anos, quando engravidei, e como não podia usar mais químicas, comecei a aceitar meu cabelo e a amá-lo.

E por que eu fiz tudo isso? Bom, na TV só havia mulheres de cabelo liso fazendo comercial de xampu. Sou da geração Xuxa e cansei de ver todas aquelas paquitas loiras e de olhos azuis. O que aquilo significava? Significava que meninas loiras podiam ser paquitas, que meninas de cabelo preto ou ruivo podiam tingir seus cabelos de loiro e serem paquitas e que eu, negra e de cabelo crespo, nunca poderia ser. Na escola, cansei das vezes em que meu cabelo foi piada, considerado sujo, comparado a produtos de limpeza. Das inúmeras vezes em que os meninos não queriam fazer par comigo na festa junina, pois não dançariam com a “neguinha”. E o que mais doía é que toda a sociedade concordava com aqueles meninos.

Eu não me via na TV, nas propagandas, nas revistas, nos livros didáticos.

Aí depois, o que muitas pessoas falam? “Ah, as próprias negras não se aceitam”, “Pra que alisar o cabelo, assume!”. Somos culpadas por não nos aceitarmos. As pessoas sempre erram o alvo: em vez de criticarem a imposição de um padrão de beleza eurocêntrico, culpam as meninas que aprenderam desde cedo a se odiarem.

Antes de falarem algo do tipo, imaginem, só imaginem como deve ser doloroso viver num mundo que te nega. Que estigmatiza sua beleza. Somos motivos de chacota simplesmente por conta de nossos traços, nossas características físicas.

O racismo faz com que nos odiemos desde cedo. É necessário desconstruir tudo aquilo que internalizamos e construir outro mundo. Esse processo é doloroso, leva tempo, porque somos bombardeadas o tempo todo com o discurso hegemônico.

Alisar o cabelo para muitas de nós não é uma escolha, é uma imposição. Alisamos para sermos aceitas, não sermos zoadas, muitas para arrumar ou se manter no emprego.  O racismo cria hierarquia de humanidade e conseqüentemente de beleza.

Precisamos de mais referências de mulheres negras, mais representatividade positiva. Se eu me enxergo, eu me sinto pertencida. Eu sempre digo que não é necessário ser uma grande estudiosa das questões raciais no Brasil para perceber o quanto esse país é racista. Basta ligar a TV ou folhear uma revista.  Fico muito feliz com esse movimento que grupos, coletivos, páginas, blogs fazem para valorização da estética negra. Muitos ensinam a cuidar dos crespos, como fazer a transição, coisas que não temos na mídia em geral. Fazem um trabalho maravilhoso, mas ainda precisamos cobrar e lutar por mais representação.

Grada Kilomba, em Plantations Memories, explica muito bem como é a situação da mulher negra:

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