Mulher, solteira, lésbica procura… E acha pelo celular

Fazia uma noite de domingo não muito fria em São Paulo. As mesas na calçada do Bar da Dida – bastante frequentado pelo público GLS na região dos Jardins – estavam lotadas por quem decidiu ficar na cidade no feriado paulista de 9 de julho. Lá, conversava com uma amiga que acabara de me apresentar a Brenda. Não, não era sua nova namorada. Mas, sim, um aplicativo que se baixa no smartphone para achar uma.

Minha amiga me mostrava empolgada o perfil de uma menina que havia conhecido há poucos dias, enquanto explicava como a tecnologia funcionava. O geolocalizador (um tipo de GPS) do Brenda mostra quem são as mulheres gays, bissexuais ou heterocuriosas que estão próximas e online, ou seja, disponíveis para chat ou, dependendo da ousadia de ambas, abertas para um encontro.

Enquanto falávamos, começamos a notar que, na mesa detrás da nossa, o papo era o mesmo: uma menina mostrava fotos das pretendentes que a procuravam e lia em voz alta as mensagens trocadas entre elas. “A Brenda é tudo!”, comentava. Foi ali que percebi que a Brenda está na boca das meninas. Sem trocadilhos.

Brenda é a versão feminina e mais comportada do Grindr, aplicativo para homens que querem encontrar outros homens que estejam a poucos metros de distância. Ambos têm como vantagens o “tiro certo” na paquera, ou seja, quem entra na rede social sabe da preferência sexual dos usuários e, mais do que isso, todos ali têm o mesmo objetivo: no caso das mulheres, a meta é encontrar o amor. Já no caso dos homens, o foco é uma transa rápida e nada mais.

Vários gays usam e abusam da facilidade que o Grindr permite em ir direto ao ponto. E põe direto nisso. Um amigo advogado contou que a primeira pergunta que faz quando conhece um outro homem pelo Grindr é se o cara é ativo ou passivo. A segunda pergunta é se o outro pode mandar foto do pênis. E, dependendo da resposta, combinam rapidamente o local do encontro. “Eu não quero perder a viagem se o cara não me atrair ou se tiver o pau pequeno”, disse ele, que já transou com sete homens que conheceu pelo aplicativo.

O Brasil está em sétimo lugar entre os países que mais usam o Grindr: são 162 mil usuários conectados, sendo que, de 2012 para 2013, o número de downloads aumentou em 140%. A chave do sucesso? Homens bonitos, sarados e disponíveis, de acordo com o próprio presidente da empresa desenvolvedora do aplicativo, Joel Simkhai. Ele mesmo um fã dos “Adonis” brasileiros. “Quando vou ao Brasil, adoro ver as fotos dos homens gostosos que estão no Grindr”, conta.

Por ser uma ferramenta usada na maioria das vezes para sexo fácil, só vale colocar no Grindr fotos de corpos malhados, rostos bonitos e pênis bem dotados.

No universo lésbico, o sexo casual é o que menos conta: nove entre 10 mulheres que acessam o aplicativo querem achar a cara metade. O irônico é que no Brenda poucas têm coragem de expor a própria cara. As fotos das usuárias são bem comportadas ou, mais que isso, até disfarçadas: há muitas mulheres com óculos escuros, golas das blusas levantadas até a altura dos olhos ou fotos tiradas de perfil em que mal se vê o rosto da garota. Isso porque as mulheres têm medo da exposição exacerbada, ao contrário dos homens gays.

Para entrar no Brenda, é preciso colocar no perfil, além do nome, a idade, altura e o peso (essa última, por ser informação não obrigatória, só escreve quem tem auto-estima elevada). E, para completar, no mundo feminino, em que as afinidades contam mais que a beleza física, chega a ser um detalhe básico escrever seu signo e ascendente.

De acordo com Steven Bender, presidente da empresa dona do Brenda, apesar de ter lançado o aplicativo há dois anos, somente há seis meses aumentou o número de downloads no Brasil e, nesse curto tempo, passamos a ser o quarto país em número de usuárias: hoje são 30 mil brasileiras conectadas pelo Brenda. “Foi uma surpresa pra gente. Quando se coloca um aplicativo numa loja virtual, como a Apple Store, imediatamente ele fica disponível para o mundo todo e não dá para prever onde terá mais acessos. Mas não tínhamos ideia que faria tanto sucesso no Brasil, que está muito, muito distante do Reino Unido e Espanha onde temos escritórios”, conta.

Assim como no Grindr, o download do aplicativo é de graça, mas pode-se pagar um custo extra de 3 dólares por mês para saber quantas e quem são as meninas que visitaram seu perfil e até quem te bloqueou (vai que a garota não gostou do papo-aranha…). A empresa desenvolvedora anuncia que fará mudanças para que o Brenda tenha novas funcionalidades, como a possibilidade de realizar vídeo chamadas e permitir que as usuárias criem eventos e convidem as amigas conectadas no Brenda, a exemplo do que hoje é feito pelo Facebook, mas de maneira mais segmentada.

Depois de descobrir o Brenda, decidi fazer uma pesquisa rápida entre algumas lésbicas para saber quem conhecia esse novo “inferninho cibernético”. Para minha surpresa, a maioria já tinha ouvido falar da ferramenta. Uma delas, no entanto, reclamou do nome: “Brenda? Quantas Brendas você conhece no Brasil? Eu mudaria o nome para Maria Bethânia, Cássia, Daniela… Ou, já que é para ser nome gringo, colocaria Angelina Jolie! Vai atrair mais as mulheres”.

 

Fonte: Carta Capital

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