Por: Lúcio Vaz
A empresa O Telhar, vinculada à multinacional argentina El Tejar, ocupa 180 mil hectares com plantações de soja, milho e algodão em 14 municípios de Mato Grosso. Cerca de 40 mil hectares são áreas próprias. O restante é arrendado de brasileiros. Produz 600 mil toneladas de grãos por ano. No cartório de registro de imóveis de Primavera do Leste (MT), onde fica a sede da empresa, as terras estão registradas, mas não constam no livro de propriedades de estrangeiros. “Pela nossa legislação, ela é uma empresa brasileira”, explica o responsável pelo cartório, Herbert Fernandes Silva. No registro de terras estrangeiras do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nada consta sobre as terras de El Tejar.
O procedimento é conhecido e começa a ser combatido pelo governo federal, a partir de recomendações do Ministério Público Federal. Empresas estrangeiras criam uma empresa no Brasil e passam a atuar no país sem qualquer controle. O resultado é que o Incra tem informações parciais sobre a dimensão e a localização das terras de empresas estrangeiras no país. Como mostrou uma série de reportagens publicadas pelo Correio, cerca de 4,3 milhões de hectares estão registrados em nomes de gringos(1), mas o instituto estima que o volume é pelo menos cinco vezes maior.
O procurador federal Marco Antonio Almeida, que integrou o grupo de trabalho responsável pela apresentação de sugestões para a solução do problema, explica a situação: “Temos uma brecha legal, que permite que essas empresas, usando esse suposto fato de serem nacionais – e na verdade não são, são estrangeiras, com capital integralmente estrangeiro – possam adquirir áreas no Brasil sem qualquer controle”.
A El Tejar é uma multinacional que atua na Argentina (sede), no Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Bolívia. Em seu site, informa que aplica o seu modelo de negócios para identificar, arrendar, adquirir e operar fazendas. “Nosso processo de seleção é projetado para localizar áreas com abundantes chuvas, solos produtivos e outras qualidades que permitam a produção de culturas rentáveis. Na avaliação de uma potencial aquisição, usamos imagens de satélites e dados climáticos históricos para realizar uma triagem inicial”, informa a empresa.
Reações
A O Telhar segue o modelo de produção da matriz. Em vez de operar diretamente as fazendas, prefere terceirizar integralmente o processo de produção, do plantio à colheita, utilizando quase sempre o trabalho dos fazendeiros que vendem ou arrendam as terras. O objetivo da empresa, segundo a sua assessoria, seria o de “estimular o empreendedorismo local”. O Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso considerou ilegal essa terceirização da atividade fim.
O presidente da Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Glauber Silveira, afirma que a atuação de O Telhar “é predatória”. Primeiro, porque oferece preços elevados e fora da realidade pelo arrendamento, afastando produtores brasileiros do processo produtivo. Segundo, por transferir aos terceirizados os custos trabalhistas e tributários. “Eles pagam 10 sacos de soja o arrendamento, quando o valor de mercado é sete. Mas os proprietários arrendam a terra e assumem e produção. Daqui a cinco anos, não terão mais máquinas.
A O Telhar informou ao Correio, por meio de nota, que iniciou as atividades em 2003, com arrendamentos e parcerias. Só a partir de 2007 adquiriu terras próprias, para assegurar a expansão da atividade. “O grupo tem como propósito construir uma empresa que permaneça por pelo menos 700 anos nos mercados onde está instalada.” Em relação à constituição de uma empresa no Brasil, disse que “isso faz parte dos trâmites legais exigidos para atuar no país. O foco da atuação de O Telhar não é a aquisição de terras, mas desenvolver um sistema de produção altamente produtivo. Como qualquer empresa constituída no Brasil, a O Telhar tem também compromisso com o cumprimento da legislação em todos os seus aspectos”.
1 – Brasileiras “da gema”
O cadastro de terras compradas por estrangeiros no Brasil aponta as maiores extensões nas mãos de portugueses, japoneses e italianos. Pelo menos 1,1 milhão de hectares, segundo os registros do Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra, estão em poder de pessoas físicas e de empresas dessas três nacionalidades. A companhia que aparece como maior proprietária, a Veracel Celulose, na Bahia, com 204 mil hectares, afirma ser brasileira, embora 50% do seu capital seja da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, uma das maiores empresas de produção de papel do mundo.
Fonte: Correio Braziliense