Mylene Pereira Ramos: a juíza que defende maior diversidade na magistratura

“Em nossa sociedade, fatores como raça e condição social, influenciam a forma como somos tratados”,juíza Mylene P. Ramos

por Claudia Alexandre, Áfricas

A juíza Mylene Pereira Ramos, paulista, 51 anos é titular da 20ª. Vara do Trabalho e também juíza diretora do Fórum Trabalhista, ambos na Zona Sul de São Paulo. Ela ocupa um cargo  poucos negros e negras alcançam.  Segundo ela,  um dos motivos  da falta de diversidade neste segmento seriam as exigências do processo de seleção que se dá mediante concurso público, um dos mais rígidos do País. O que levaria um aspirante a juiz a uma dedicação quase integral a preparação, além do alto custo que isto implica. “Pode ser um desafio muito maior, mas não é impossível”, incentiva.

Além disso, no concurso, são cerca de cinco etapas a serem vencidas e o número de candidatosaprovados é sempre muito pequeno.

Desde 2015, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça criou cotas raciais que destinam 20% de vagas nos concursos para Juiz para candidatos negros. Apesar das cotas, as exigências para aprovação são as mesmas para todos os candidatos. O primeiro Censo do Poder Judiciário realizado em 2014, mostrou que o perfil da magistratura no Brasil é majoritariamente de homens brancos. Os negros representam apenas 1,4%.

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Juíza Mylene

“Para aumentar o número de negros na magistratura, além das cotas, é necessário ampliar o acesso dos candidatos negros às melhores faculdades de Direito, mediante ações afirmativas, bem como, garantir seu acesso aos cursos preparatórios”, avalia.

A diversidade nas esferas da justiça também terá impacto positivo na maneira como os casos são julgado. “A diversidade racial vai ampliar a visão social do Judiciário, pois os casos concretos serão analisados por Magistrados com experiências pessoais também diversas”, disse a juíza.

Dra. Mylene é formada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie; Mestre em Direito pela Columbia University (Nova Yorque, EUA) e Stanford University (California, EUA); doutora em Direito pelas Stanford University e Facultad de Derecho y Ciencias Sociales da Universidade de Castilha-La Mancha (Castilla La Mancha, Espenha). Atualmente é integrante da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP. Apesar deste currículo de peso, ela conta nesta entrevista exclusiva à Agência Áfricas de Notícias,  que vivenciou várias situações de preconceito e racismo.

Confira a íntegra da entrevista com a juíza Mylene Pereira Ramos:

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Juiza Mylene Pereira Ramos

Portal Áfricas – Porque escolheu essa profissão?

 

Juíza Mylene – Quando criança  presenciei as injustiças sofridas pelo meu Pai, trabalhador da construção civil. Aos 36 anos, após passar dias trabalhando nas obras do Metrô de São Paulo, sem poder dormir, meu Pai sofreu um derrame cerebral. Após ficar entre a vida e a morte numa UTI, meu Pai passou dois meses internado. Retornou para casa com sequelas que o incapacitaram para o trabalho, aposentando-se por invalidez meses depois.
Já minha Mãe era Doméstica. Muitas empregadoras a tratavam bem, porém também sofria humilhações por parte de outras. Também, não entendia como tantos direitos eram sonegados à classe das Domésticas.
Mais tarde, após me formar em Direito, resolvi ser Juíza do Trabalho, certa de que poderia desenvolver um bom trabalho em razão de minha experiência pessoal.

Portal Áfricas – Qual a sua relação com a questão racial?

Juíza Mylene – Como Negra, crescendo numa Sociedade que se denomina uma democracia racial, vivenciei várias situações de racismo e preconceito, e como estes mecanismos atuavam para desacreditar o valor dos Negros, minando sua autoestima. Durante a faculdade de Direito, a questão racial ainda era pouco debatida em termos de legislação (me formei em 1987). Já no final dos anos 90, fui fazer Mestrado em Direito nos EUA, onde tive a oportunidade de me aprofundar no estudo das relações raciais e sua regulamentação.

Portal Áfricas – Como a diversidade na magistratura pode mudar a situação na justiça?

Juíza Mylene – Em nossa Sociedade, fatores como raça e condição social, influenciam a forma como somos tratados. Daí a tendência de que determinados grupos raciais e sociais, tenham experiências pessoais similares. E estas experiências pessoais influenciam o ato de julgar, já que delas resultam nossas crenças, nossos princípios, a forma como vemos o Mundo, e também nossa faculdade de sermos mais ou menos empáticos. A diversidade racial vai ampliar a visão social do Judiciário, pois os casos concretos serão analisados por Magistrados com experiências pessoais também diversas. O resultado será uma jurisprudência mais rica. Processos que versam sobre discriminação e racismo, por exemplo, poderão ser analisados também por Magistrados que sabem o que significa ser Negro na Sociedade Brasileira. E estas decisões, poderão servir como paradigma para outros Magistrados, que tiveram experiências pessoais diferentes.

Portal Áfricas –  Porque temos tão poucos/as negros/as  juízes?

Juíza Mylene – A solidez da formação obtida na Faculdade de Direito, pode contribuir com a aprovação.
Alguns candidatos, que possuem condição financeira para tanto, estudam em tempo integral. Existem cursos preparatórios para o concurso, no entanto, o custo normalmente não é muito acessível. Assim, para o candidato Negro e com pouca condição financeira, a aprovação em um concurso público como o de Juiz, pode ser um desafio muito maior, mas não é impossível.
Eu, por exemplo, não podia estudar em tempo integral. Dependia do meu trabalho, então após trabalhar o dia todo, ia para casa, cansada, e estudava até dormir. Todos meus finais de semana eram também dedicados ao estudo.
Entendo que é essencial que os Negros acreditem em seu potencial de se tornarem Juízes. As dificuldades irão desaparecer uma vez que o desafio é enfrentado com força e positivismo. Qualquer um pode ser Juiz.

Portal Áfricas – Como avalia esta fase do movimento negro feminino, que coloca o empoderamento no centro da pauta de luta pela Igualdade Racial?

Juíza Mylene – Estamos vivendo uma era de lutas, mas também de resultados destas lutas. As ações de empoderamento são essenciais para que a Mulher Negra possa conhecer a si, e ao Universo que a cerca, incluídos aí, os mecanismos do racismo e do preconceito, como combatê-los, e como se fortalecer, espiritual, física e financeiramente para conquistar uma efetiva igualdade. Historicamente a Mulher Negra foi excluída da formação educacional formal, e este gap pode ser reduzido com o conhecimento adquirido em ações de empoderamento, entendo essencial também a formação de alianças de solidariedade entre estas Mulheres, como elemento facilitador na busca da igualdade.

Para saber mais sobre a Resolução 203 do Conselho Nacional de Justiça – Cotas Concurso da Magistratura:http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/9a611858af6527b18086412c07b0d848.pd

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