A jornalista baiana Rita Batista, 42 anos, é “o ponto médio entre a arrogância e a humildade”, como ela própria define em seu perfil do Instagram. Ou, ainda, “a melhor coisa que pode acontecer na vida de qualquer pessoa e/ou corporação”. Determinada, sem perder a leveza, diz sem meias palavras: “Não sou mulher só em março, nem preta só em novembro”.
A afirmação não surge do nada. Antes de ser repórter de programas como Encontro com Fátima Bernardes, É de Casa e Mais Você, no Super Manhã Globo, Rita é apresentadora do Mulher com a Palavra desde o início, em 2016. O projeto é, em sua opinião, uma oportunidade de dar voz às mulheres em todas as épocas do ano e uma fonte importante de reflexão.
Principalmente no atual contexto, refletido no noticiário. “A gente vive em uma sociedade machista, heteronormativa, racista, onde qualquer coisa que a mulher fala é desrespeitada em sua integridade mental e física”, lamenta. Na entrevista a seguir, Rita fala sobre discurso feminino, sobre sua vida pessoal, sobre estereótipos associados às mulheres e sobre a próxima edição do Mulher com a Palavra.
O evento híbrido, que acontece a partir do dia 25 e segue até outubro com transmissão pela TVE, terá participação virtual e presencial de nomes como Joice Berth, Eliane Potiguar, Carla Akotirene, Monique Evelle, Margareth Menezes e Preta Rara. “Não é um clube da Luluzinha. Falamos de assuntos que dizem respeito à sociedade como um todo”, avisa. Confira.
Qual é a importância do Mulher com a Palavra?
O Mulher com a Palavra é pioneiro. Não conheço nenhum projeto do gênero que trate isso no cotidiano, sem falar da mulher só em março, ou só no dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Não é pontual e isso eu já acho massa. Não estou minimizando essas datas, de jeito nenhum, mas sempre digo que não sou mulher só em março, nem preta só em novembro.
A gente vive em uma sociedade machista, heteronormativa, racista, onde qualquer coisa que a mulher fala é desrespeitada em sua integridade mental, física e tantos outros absurdos que acontecem. A gente fica estarrecida e é importantíssimo que a gente se faça ouvir.
É um papo para todos e todas, certo?
O Mulher com a Palavra é justamente essa possiblidade do discurso feminino ser ouvido com maior atenção. Não é um clube da Luluzinha, não é uma conversa trivial. Falamos de assuntos que dizem respeito à sociedade como um todo. Todas elas têm pautas e pra mim é importante fazer essa costura de vozes autônomas.
Por falar em voz, a sua descrição no Instagram me chamou a atenção. Enfrentou resistência por conta de sua personalidade?
Claro! O tempo todo, até hoje. Mas: ok. Sabe? Vai da pessoa ou da corporação. Tenho uma amiga que diz que “é preciso que vocês saibam quem estão contratando”. Se alguém me pede uma coisa que obviamente não vou fazer, isso não tem nada a ver com grosseria ou falta de gentileza, é só que sou muito fincada em meus valores. Óbvio que existem maleabilidades, mas tem algumas coisas que não vou fazer, não vou dizer. Não vai rolar.
A gente tem que se justificar o tempo inteiro, né?
Sim! Homem não justifica nada. Pode até acontecer, mas eu não vejo. E olhe que não sou das mulheres fichadas como “masculinizadas” e “mal-humoradas”. Quer falar? Fale, amor. Sabe aquela coisa “me marque”? (risos) A gente precisa parar de ficar agradando a todo mundo e se agradar.
Voltando ao Mulher com a Palavra, o que pode destacar sobre essa edição?
Quando se fala de mulheres que são invisibilizadas, há uma contradição histórica com as indígenas. Então essa é uma edição que trata sobre os povos originários e isso é um destaque. Vamos falar também sobre mulheres cientistas, mostrar como o campo da pesquisa foi fechado para as mulheres. É como se elas não fizessem parte. É algo negado a elas.
O encontro de abertura, no dia 25, fala sobre afetividades, certo?
Ele é apaixonante, porque a gente fala sobre muita coisa que tem a ver com o universo feminino, mas muitas vezes fica guardada com nossas melhores amigas. Os assuntos estão circulando na nossa sociedade, mas parece que tem uma régua que diz que não é permitido que se fale. Vamos falar sobre isso.
Autocuidado, autoestima, solidão, relacionamentos abusivos e culpa materna são temas da estreia. Em sua opinião, como a pandemia potencializou essas vulnerabilidades?
A gente sempre desenvolveu várias atividades ao mesmo tempo, sempre teve que dar conta de um bocado de coisa, mas com a pandemia a gente não conseguiu mais delegar (estou falando daquelas que têm o privilégio de delegar). No meu caso, a funcionária de casa foi dispensada, o filho sem escola, tem os trabalhos… Potencializou nesse sentido. Mas a gente vai e resolve, não fica se queixando. Vai vivendo e tudo bem.
Esta 5ª edição terá, pela primeira vez, o formato de um programa de TV, com o qual você tem bastante intimidade. Me conte sobre os desafios.
Minha praia completa (risos). Sou essa pessoa, gosto muito dessa comunicação ampliada, gosto de telas, de microfone, já nasci com essa faixa no peito. Quando a gente pesquisou os formatos, pensamos “vamos fazer lives”, mas todo mundo já tinha feito live de todos os assuntos possíveis. Então decidimos fazer um programa de televisão.
A Globo já sabia desse projeto e não teve nenhuma restrição quanto a isso. Então, o maior desafio foi conciliar as agendas das entrevistadas na pandemia, porque a coisa técnica a gente dá jeito, mas a gente precisa do capital humano que é insubstituível.
O que se ganha com o formato?
A gente perde a plateia, mas ganha o mundo com a transmissão. E os depoimentos, né. O Mulher com a Palavra é um projeto de falas e de verdades, tem muito de emoção, relatos pessoais, trajetória pessoal e doação.
Alguma fala impactante que possa destacar?
Velho, tem um bocado. Mas não vou contar, não. Assista, menina!
Já está tudo gravado?
Jáá. A gente gravou em dois dias, gata. Fiz o É de Casa em São Paulo, cheguei em Salvador, fiz o teste, o resultado saiu de manhã cedo, domingo gravamos dois programas no Teatro Vila Velha, na segunda gravamos mais dois e na segunda de noite já estava voltando para São Paulo. Maratona animada!
Por falar nisso, como está sua rotina?
Tinha acabado de me mudar para os Barris quando fui convidada para vir para São Paulo, no final de novembro, para ser repórter dos programas da Super Manhã Globo. Fora isso, continuo com meus outros trabalhos de mestre de cerimônia e publicidade. A gente vai mesclando e fazendo as coisas de acordo com a agenda. Nunca tô parada!
O que esse momento representa, para você?
Acho que foi uma construção de tudo o que já fiz. Eu não esperava que isso fosse acontecer na pandemia. Enquanto outras pessoas diminuíram o ritmo, eu fiz justamente o contrário. Minha família (marido e filho de 3 anos) não mudou pra cá ainda porque a gente achou que não era o momento. Mas é uma aposta da família inteira.