Mulheres negras no cinema nacional: elas contam suas histórias

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Elas estão à frente de direção, produção, roteiro, montagem, mas ainda assim lidam com o racismo que promove invisibilidade e falta de incentivo

Fazer cinema no Brasil não é tarefa fácil e quando são as mulheres na linha de frente o cenário é ainda mais desafiador. Em 2019, dos 167 filmes brasileiros lançados, comercialmente em salas de exibição no país, apenas 36 foram dirigidos por mulheres. Os dados estão disponíveis no Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, vinculado à Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Em 2018, a Ancine lançou o Informe Diversidade de Gênero e Raça nos Lançamentos Brasileiros de 2016, dos 142 filmes nacionais lançados comercialmente em 2016, 97,2% foram dirigidos por pessoas brancas. Quando se coloca o recorte de gênero, apenas 19,7% dos filmes foram dirigidos por mulheres e nenhuma delas era negra.

Embora a invisibilidade seja real, a presença de mulheres negras no cinema, como diretoras, produtoras, roteiristas etc, vem de longe. Em 1984, Adélia Sampaio se tornou a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem. O filme “Amor Maldito” além da estreia com uma diretora negra, inaugurou a temática lésbica no cinema. Em razão da temática, considerada absurda na época, o filme não recebeu financiamento e só conseguiu chegar às salas de cinema, depois de ser lançado como filme pornográfico.

Depois de Adélia Sampaio, 34 anos depois, Viviane Ferreira se tornou a segunda mulher negra a dirigir um longa-metragem de ficção, o filme Um dia com Jerusa foi lançado em 2020 e neste mesmo ano, Viviane foi eleita Presidente do Comitê Brasileiro de Seleção do Oscar 2021.

Em uma entrevista durante o lançamento do filme, Viviane Ferreira destacou que “ser a segunda mulher negra a dirigir um longa de ficção não é motivo de orgulho. Eu não me sinto mais ou menos cineasta do que todas as outras realizadoras negras que têm roteiros e histórias e não conseguem produzir. O lugar de exceção não é um lugar a ser comemorado, ele deve ser excluído”.

Nos últimos anos, com o governo Bolsonaro, a produção cultural brasileira tem sofrido com a falta de investimento e a alta do sucateamento. “A cultura está sendo tratada como algo de menos importância nesse cenário atual e o cinema está dentro disso”, aponta a cineasta Madara Luiza.

Formada na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, Madara Luiza dirigiu em 2014 seu primeiro curta, ‘Solilóquio’ selecionado para o Encontro de Cinema Negro 2015, em 2019 e 2020 atuou como assistente de direção nos filmes Viúvas do Samba, Lilith e Lima Barreto. Para Madara o cinema negro tem crescido dentro do universo que se criou com as produções independentes, que são os coletivos de criação, reforçados em razão dos poucos investimentos do governo.

Foto: Imagem retirada do site Elas por Elas

Jovem negra, Madara teve em casa a inspiração para trilhar o caminho do cinema, o pai, Luiz Antônio Pilar, é diretor de cinema, e a mãe, Cyda Moreno, é  atriz e produtora teatral. “Minha família é do cinema e teatro, cresci nesse mundo e sempre quis estudar cinema, sempre vi filmes e ver meus pais trabalhando nisso foi um caminho muito natural”.

A oportunidade de contar a própria história, é assim que Madara define o cinema negro brasileiro. “Estamos fazendo um movimento muito legal no cinema, produzindo, trabalhando e discutindo questões que nos afligem, contando nossas histórias, mostrando a forma como a gente vê o mundo e como o mundo pode ser visto por nós”.

Com uma sociedade estruturada no racismo, para Madara ele se reflete no cinema da mesma forma como se apresenta na sociedade. Mas, as mulheres negras estão mostrando que quando se movimentam mudam as estruturas da sociedade.

“Mesmo com todas as barreiras estruturais, temos trilhado nossos caminhos, abrindo estradas e muitos quilômetros já foram abertos. Temos várias mulheres pretas lançando curtas, documentários, filmes co-dirigidos, esse é um caminho que estamos trilhando, batendo de frente com esse racismo que está entranhado na sociedade e no mercado audiovisual. A cena do cinema negro brasileiro é o próprio cinema brasileiro”.

Adélia Sampaio

A cineasta Adélia Sampaio disponibilizou em seu canal no youtube alguns de seus principais filmes, entre ele Amor Maldito. Em 2017 foi lançada a Mostra Competitiva de Cinema Negro Adélia Sampaio, constituída como espaço de visibilidade e conexão entre mulheres negras no cinema nacional e internacional. Em outubro de 2021 acontecerá a IV edição da competição, em formato online.

Cineastas brasileiras negras que você precisa conhecer (dicas da Madara Luiza):

Adélia Sampaio

Glenda Nicácio

Viviane Ferreira

Grace Passô

Aline Motta

Sabrina Fidalgo

Yasmin Thayná

Iniciativas que reúnem filmes produzidos por pessoas negras:

Wolo TV – plataforma de streaming – https://www.wolo.tv/

Filmes de Plástico – https://www.filmesdeplastico.com.br/

Centro Afro Carioca de Cinema – http://afrocariocadecinema.org.br/

Afrolix – plataforma de streaming – http://www.afroflix.com.br/

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