A indignação brota com as lágrimas que transbordam dos olhos, um deles totalmente fechado por conta de um hematoma. Leila Rodrigues Veloso é a mais recente vítima conhecida da homofobia em Niterói. Foi agredida na madrugada de segunda-feira passada ao estacionar o carro na Ponta d’Areia, onde mora. O trauma vivido por ela está longe de ser uma exceção: segundo dados do programa Rio Sem Homofobia, do governo do estado, nos últimos dois anos, 732 gays, lésbicas, travestis e transexuais procuraram atendimento no Centro de Cidadania LGBT Leste, que funciona no Ingá e atende vítimas de violência de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. O número total no período traduz a média de um caso registrado por dia.
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— Tenho 33 anos e nunca tinha apanhado na cara. Isso é inaceitável! Nem consegui dormir (na terça passada). Percebo que minha vida mudou — revela Leila, que foi candidata a vereadora na última eleição.
Segundo ela, que vive com a companheira num prédio inacabado ocupado por várias famílias, o agressor era um desconhecido. O homem seguia em uma motocicleta com uma mulher na garupa e ofendeu Leila quando ela manobrava para estacionar. Ao parar, foi atacada.
— Quando desci do carro, perguntei por que ele estava falando daquele jeito comigo. Ele gritou: “Sapatão que se veste como homem tem que apanhar como homem”. Depois, veio para cima de mim e me deu vários socos, enquanto a mulher o incentivava a bater mais. Ao sair, falou que voltaria para me matar — relata.
O trauma para Leila foi além do olho roxo, da sutura no supercílio e da noite perdida entre o pronto-socorro e a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), no Centro, onde registrou um boletim de ocorrência por lesão corporal, ameaça e injúria. Primeira soldadora contratada pelo antigo Estaleiro Mauá em muitos anos, Leila ficou desempregada com a ruína da indústria naval, e passou a se dividir entre corridas no aplicativo Uber e pequenos reparos domésticos:
— Quando comecei no Mauá, não tinha nem banheiro feminino. Agora, como vou trabalhar assim? Estou sem dinheiro, com um olho roxo e duas crianças para sustentar.
O combate à violência contra LGBTs esbarra na falta de tipificação penal — como já ocorre hoje com condutas racistas — e na dificuldade de acesso às políticas públicas. O Centro de Cidadania LGBT Leste vive uma agonia por conta da falta de recursos desde meados do ano passado, atingido pela crise do estado. A unidade, que chegou a fechar semana passada e foi reaberta quinta-feira, funciona agora em horário reduzido, das 9h às 14h. Em novembro de 2016, o prefeito Rodrigo Neves anunciou a intenção de assumir o custeio do equipamento, mas, segundo a prefeitura, não houve o interesse do estado em um acordo. No comando da Secretaria Estadual de Direitos Humanos desde março, Átila Alexandre Nunes quer retomar a negociação. A intenção é marcar um encontro em breve e discutir os termos da parceria, para manter a estrutura que fez 6.703 atendimentos nos últimos dois anos. Além de casos de violência, o centro oferece auxílio jurídico, psicológico e de assistência social, ajudando LGBTs em questões como a obtenção do nome social e a oficialização de união homoafetiva.
— Uma parceria é muito bem-vinda. Entendo que essa política pública não deve ser monopólio de um único ente. É impossível chegar aos 92 municípios sem ajuda das prefeituras. A gente tem consciência de que só é possível obter apoio de municípios com melhores condições financeira, como Niterói — afirma o secretário.
DELEGACIA ESPECIALIZADA
Segundo Nunes, o estado acolhe vítimas de violência e promove campanhas de conscientização, mas encontra dificuldades pela falta da tipificação do crime de homofobia:
— Além de não inibir aqueles que cometem esse tipo de violência, a falta de tipificação acaba gerando subnotificação. No âmbito do estado, uma das ideias é criar a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que seria especializada em crimes de preconceito. Ela já existe como lei, mas não saiu do papel.
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Niterói acompanha o caso de Leila. Depois de auxiliá-la no registro de ocorrência, vai cobrar da Polícia Civil a sequência das investigações. Para a presidente da comissão, Talíria Petrone (PSOL), o poder público precisa atuar ativamente contra condutas homofóbicas.
— É preciso atuar no acolhimento adequado de LGBTs em situação de violência. Mas o mais importante é a prevenção. Uma cidade que impede debate de gênero e diversidade sexual na sala de aula ignora essas estatísticas. O espaço escolar deve desconstruir essa violência, que não é patológica, mas construída — afirma a parlamentar, citando também a necessidade de campanhas de conscientização no município.
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