Bairro do centro de São Paulo se torna reduto de migrantes africanos, que abrem comércios, vivem e se divertem na região
Por Guilherme Soares Dias Do Carta Capital
Desde meados de 2010 pipocaram as notícias do aumento de migrantes africanos chegando em São Paulo. O número de pessoas vindas da África que chegou até aqui nesse período não é preciso, mas elas eram retratadas como migrantes ilegais ou refugiadas. O que não foi captado por essas notícias é a consolidação delas na República, região central de São Paulo, com moradias, comércios, restaurantes, bares e festas.
A Galeria Presidente, também conhecida como Galeria do Reggae, localizada na Rua 24 de Maio, 116, talvez seja o maior expoente. São cinco andares em que a presença africana é visível desde a porta. Mulheres oferecendo tranças, rastafáris e perucas.
Por lá, também é possível comprar roupas, produtos de tabacaria ou beber em um dos muitos bares. A cada andar que se sobe, a presença africana aumenta. Nos últimos, a escada rolante não funciona, o que não impede a grande circulação de pessoas. A maioria dos migrantes ali veio da Nigéria, Senegal, Angola, República Democrática do Congo e Camarões.
Outro reduto africano é a Galeria Sampa, na Avenida São João, 610. Lá, salões de cabeleireiro e mini-mercados com produtos africanos, dividem espaço com lojas de calçados, roupa (é possível encomendar uma camisa ou vestido para costura), bares e lojas de cabelo e eletrônicos.
Entre os produtos vendidos no mercado estão amendoim, azeite de dendê, massa para fufu, inhame e artigos para cabelos crespos.
Veja o mapa com os empreendimentos na região da República
Na Praça da República, todas as segundas-feiras a partir das 19h, há uma cerimônia mulçumana com tambores africanos, em que homens dançam e cantam para alá, usando elementos da cultura do continente, o que faz os rituais serem confundidos com vodu. Mas essa vertente do Islã é chamada de muridismo e é praticada principalmente no Senegal.
Os cânticos de “glória a Deus” são entoados em Wolof, uma das línguas mais faladas do país. Para quem passa próximo ao coreto é servido café com especiarias. Os rituais contam com estrutura de som, reúnem cerca de 30 pessoas e costumam seguir até às 22h. A forte presença de africanos também faz com que apenas na região da República haja quatro mesquitas, que recebem adeptos da religião para rezar cinco vezes ao dia.
Entre os lugares, que eles usam para se divertir destaque para o Le Petit Village e para Jobest, restaurantes que funcionam como bares e reúnem música, concentração de homens fumando e bebendo, principalmente nas noites de sexta e sábado.
Já a Galeria Olido costuma receber eventos e celebrações dos diferentes povos africanos. Há cerimônias de Miss África, encontros de escritores africanos, comemorações da independência dos países, além de encontros para reunir as comunidades que moram na cidade.
É difícil quantificar a presença de africanos em São Paulo, uma vez que nem todos estão no cadastro de estrangeiros da Polícia Federal. De acordo com a PF, 292.288 estrangeiros se mudaram para a capital paulista entre 2001 e 2017. A Secretaria Nacional de Justiça registrou 161 mil pedidos de refúgio no Brasil desde 2010. O ano com mais solicitações foi 2017, com 33.866, das quais ao menos 4.785 foram feitas por africanos.
Em busca de vida melhor
A maior parte dos africanos entrevistados pelo Guia Negro são tímidos e desconfiados num primeiro contato. Até entenderem o objetivo da reportagem e se soltarem leva um tempo.
Eles relatam terem vindo em busca de trabalho e uma vida melhor. Parte deles, diz que retorna à África apenas em visitas familiares, outra ainda sonha em voltar a viver com a família no país em que nasceram.
Por aqui, eles convivem com outros africanos e dizem sofrer preconceito dos brasileiros, mas curtem a vida no Brasil e, principalmente, comidas como a feijoada.
Na Rua Barão de Itapetininga, com a Avenida Ipiranga, onde cerca de dez barracas vendem tecidos, máscaras, camisas e acessórios, a diversidade é grande. A senegalesa Mama Diamu Fallo, de 60 anos, vende as roupas que ela mesma produz.
“Quando cheguei queriam que eu trabalhasse com limpeza. Fiz isso por seis meses, mas depois conseguir ir para a área que eu gosto”, diz ela, declarando amor ao Brasil. Hoje, Mama, como prefere ser chamada, já vestiu artistas como Elza Soares e Liniker, além de participar de clipes da cantora Luedji Luna.
O gerente do bar e restaurante Le Petit Village, Iyannick Iríné, 26 anos, chegou ao Brasil há um ano e nove meses para trabalhar. Nesse período, a filha nasceu no Senegal, o que faz querer voltar ao país. “Foi difícil aprender o português, mas eu gosto daqui. Quero voltar para o meu país, mas antes vou ganhar dinheiro aqui”, diz.
A nigeriana Nwakaaego Goefvour, 42 anos, chegou a São Paulo em 2005 e trabalha como cozinheira no Restaurante do Pastor. Ela chegou para acompanhar o marido que veio ao Brasil para fazer compras e revender no país natal.
“Lá, tínhamos uma loja, mas a situação estava bem difícil e preferimos vir para cá. Hoje, temos quatro filhos. O resto da família está lá, mas o trabalho é aqui”, afirma ela, que mora em Engenheiro Goulart, na zona leste paulistana.
Entre os negócios mais consolidados está a loja Coração d’África, do senegalês Cheick Seck, que também começou com uma barraca na Barão de Itapetinga e hoje possui lojas da Teodoro Sampaio e na Av. Ipiranga, 242. O local vende vestidos, esculturas, camisas, tecidos e instrumentos. “Foi difícil no começo, mas hoje percebo que havia um público que queria consumir esses produtos”, diz ele.
Já o restaurante Biyou’z, da camaronesa Melanito Biyouha, está há dez anos na Rua Barão de Limeira, 19. Em uma viagem a São Paulo, ela percebeu que a cidade tinha restaurantes árabes, japonês, grego e de outros países, mas não um africano. “Temos um projeto de divulgação para o público que quer conhecer a cultura africana”, diz.
O Biyou’z serve comidas de diversos países, como peixe, camarão e carne de vaca acompanhados de banana da terra, temperos diferentes e fufu, uma massa que funciona como o arroz em vários países africanos, além do cuscuz.
O barbeiro Abidoulaye Ramara, 30 anos, está há quatro anos no Brasil e só há três meses conseguiu abrir sua barbearia na Rua Guaianases. Ele diz que a chegada ao país foi difícil e que chegou a dormir na rua.
“No Senegal, eu também era cabeleireiro, mas vim tentar uma vida melhor. Quando cheguei, trabalhei em frigorífico, como vendedor e percebi que havia um preconceito grande conosco. Não conseguia nem alugar um quarto”, relata ele, que hoje mora na Santa Cecília, região central da cidade.
Muçulmano, ele deixa os cânticos da religião tocando enquanto corta cabelos e faz barbas. “Não perdemos a nossa cultura e continuamos comendo a comida que gostamos e fazendo os rituais que acreditamos”, reforça.