Nossas estatísticas sob o olhar de Marcelo Paixão

por Juliana Barauna

Conheci pessoalmente o professor Marcelo Paixão durante uma entrevista concedida à primeira temporada do Programa “O Bagulho é Doido” para o Canal Brasil. Estava na equipe técnica, atrás das câmeras, e contive  a expectativa de ouvir de tão perto sobre um tema que faz parte da vida e do cotidiano de todos nós, pretas e pretos, em qualquer nível social: relações de trabalho, desigualdades sociais e raciais. Passou bastante tempo, até que um dia desses encontrei esta foto e resolvi escrever brevemente sobre alguns trechos do livro “Manifesto Anti-Racista – Idéias em Prol de uma utopia chamada Brasil” entre outras análises do professor Marcelo Paixão.
    O processo histórico de escravização de negr@s african@s até a data da farsa da abolição é um dos principais pontos que originam a larga diferença econômica entre pretos, pardos e brancos hoje no Brasil, provocando conflitos e tensões entre os diferentes grupos étnicos e/ou culturais. A abolição não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem terras, educação e direitos civis plenos aos descendentes de escravizados e “libertos”. Pelo contrário, políticas públicas urbanas e higienistas refundaram as diferenças sob novas bases sociais e étnicas.
   Vítimas constantes de racismo e preconceito, os grupos menos favorecidos e historicamente discriminados são excluídos do mercado de trabalho, do sistema educacional, dos meios tecnológicos, restando-lhes apenas a condição de subalternos e marginalizados. Para Paixão (2006, p. 18), “o enfrentamento das questões derivadas das relações étnicas e raciais encontra-se, certamente, entre os maiores desafios da humanidade no século XXI”.
     Muitas são as barreiras que impedem que os grupos menos favorecidos tenham acesso a um padrão de vida melhor. Dentre estas barreiras está o acesso à educação escolar, isto é, ao conhecimento científico e aos saberes sistematizado, que ainda é privilégio da elite. Poucos são os que conseguem furar essa barreira que os impedem de desenvolver-se intelectual, social e profissionalmente, o que nos leva a pensar que não basta ter acesso à escola se a educação oferecida aos grupos menos favorecidos não é adequada e suficiente para qualificar nossas crianças e jovens. Indicadores como homicídio, incidência da mortalidade materna e trabalhadores que recebem salário mínimo ainda são ocupadas majoritariamente por negros e pardos.
      Para não fechar sem falar em números, índices, melhorias e o longo caminho que temos a percorrer, o bom desempenho da economia brasileira na última década favoreceu um aumento da renda de toda a população do país, inclusive dos pretos e pardos. Considerando apenas os últimos anos, entre 2010 e 2012, nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras, o rendimento médio dos trabalhadores aumentou cerca de 7%. Para os brancos, a expansão do rendimento foi de 5%. Para os pretos e pardos, o aumento foi de 11%.

 Mesmo considerando este avanço, as assimetrias raciais na renda seguem muito elevadas. Em 2012, nas 6 maiores regiões metropolitanas, os trabalhadores brancos ganhavam, em média, R$ 2.237,20.  Já os trabalhadores pretos e pardos, R$ 1.255,96; ou seja, em 2012, a renda média dos brancos era ainda 78% superior a dos pretos e pardos.

 A redução da taxa de desemprego beneficiou os negros e pardos. Foi uma redução significativa? O que isso representa para os negros e para a economia do país?
 Assim como para a renda, também o nível de desemprego melhorou na última década no Brasil. Sempre considerando as seis principais regiões metropolitanas do Brasil, podemos ver que, em 2003, a taxa de desemprego era de 11,2%. Na média de 2012, foi igual a 5,5%.
 Entre a população branca, a taxa de desemprego caiu, entre 2003 e 2012, de 9,6% para 4,7%. No mesmo período, a taxa de desemprego da população preta e parda passou de 13,4% para 6,4%; ou seja, houve uma redução no desemprego mais expressiva entre os pretos e pardos (10 pontos percentuais) do que entre os brancos (4,9 pontos percentuais).
 Contudo, isto não deve ocultar outra dimensão muito importante. Apesar da redução das desigualdades raciais, e de gênero,  especialmente na última década; a estrutura social brasileira se mantém fundamentalmente inalterada.

Se de um lado, o bom desempenho econômico do Brasil melhorou os indicadores socioeconômicos, e as políticas sociais adotadas conseguiram mitigar as situações de pobreza e elevar as condições de vida da população, de outro lado estes fatores não foram capazes de alterar a alocação relativa de recursos entre os grupos. A posição social de cada grupo de cor ou raça e sexo se mantem praticamente imutado no tempo. Basta pensar que, ainda em 2011, cerca de uma em cada cinco mulheres negras ocupadas no Brasil era empregada doméstica.
   O vídeo abaixo trata a questão do preconceito racial no Brasil. Na introdução, trabalhadores e moradores da Chácara do Céu fazem algumas críticas à nossa sociedade. Em seguida, o professor Marcelo Paixão debate sobre alguns pontos que envolvem este tema.

YouTube video

Sobre Marcelo Paixão:
    Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1989), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994) e doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2005). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro em regime de Dedicação Exclusiva. Pesquisador do CNPq entre 2010 e 2012, Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e bolsista Capes de Pós-doutorado na Universidade de Princeton, New Jersey, EUA. Foi membro do Conselho Universitário da UFRJ entre 2009-2012. Coordena o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER), vinculado à mesma UFRJ e criado em 2006. Realizou e realiza atividades de pesquisa no campo das desigualdades étnico-raciais, relações de trabalho do meio urbano e rural e crise do mundo do trabalho. Leciona as disciplinas de Economia Política, Economia do Trabalho, Introdução à Economia, Introdução às Ciências Sociais, Nação e Nacionalidade.
Nota: As informações que fazem parte do conteúdo específico desse texto foram retiradas do livro “Manifesto Anti-Racista – Ideias em Prol de uma utopia chamada Brasil”, escrito por Marcelo Paixão, entrevista do professor ao Globo Cidadania (Maio de 2013) e dados do  LAESER – UFRJ. 

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