IBGE mostrou que, entre mulheres que trabalham, 17% são domésticas.
Em 2009, os trabalhadores domésticos no Brasil somavam 7,2 milhões.
Aquele velho perfil da doméstica, com baixa escolaridade e renda inferior a um salário mínimo por mês, está perdendo espaço para um novo tipo de profissional da área: mulheres mais estudadas e com perfil empreendedor, afirmam as próprias trabalhadoras. O G1 conversou com domésticas que ganham em média R$ 1,5 mil, têm carro zero e, entre outras atividades, fazem faculdade.
Conforme dados divulgados este mês na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2009 os trabalhadores domésticos no Brasil eram 7,2 milhões — alta de 12% em relação ao ano anterior. Em cinco anos, o total de domésticos com carteira assinada subiu 20%, conforme a pesquisa.
O instituto mostra também que das 39,5 milhões de mulheres que trabalham no país, o maior percentual é justamente de domésticas (17%). 16,8% delas estão no comércio e 16,7% estão na educação, saúde e serviços sociais.
A carioca Vera Lúcia da Silva Teixeira, de 42 anos, diarista há mais de 20, vive uma realidade bem próxima da vivida pela patroa. Ela estuda direito em uma faculdade particular do Rio, paga colégio particular para a filha, de 19 anos, troca mensagens de celular com os patrões e ainda está sempre conectada na internet.
Moradora na Zona Oeste do Rio, Vera divide seu tempo de trabalho em oito apartamentos da Zona Sul. Mas a doméstica moderna afirma que seu caso não é tão comum e que sofre preconceitos. “Se falo que sou diarista, moro na Freguesia (bairro da Zona Oeste) e faço faculdade particular, não acreditam. As pessoas são muito preconceituosas”,disse.
Vera quer fazer concurso para ser juíza ao terminar a faculdade. Segundo ela, a relação com os patrões melhorou e ela se sente mais respeitada. “Tudo mudou. Parece que abre um leque, as pessoas te olham de outra forma”, contou.
Carro zero
Moradora de Santo André, na Grande São Paulo, a diarista Agenora Silva, de 47 anos, ganha, em média, R$ 1.500 por mês e trabalha em uma casa diferente a cada dia da semana. Ela diz não ter vergonha de sua profissão. “Eu acho que daqui a alguns anos, a empregada doméstica vai ter mais valor do que quem trabalha em banco, em firma. Eu tenho amigas que trabalham em loja, e falam como se fosse uma coisa superior. Mas elas ganham menos, mixaria”, disse.
Vai para as casas onde trabalha de carro zero, que financiou em cinco anos com prestação de R$ 700 por mês. Foi beneficiada pela expansão do crédito e conseguiu financiamento mesmo sem comprovação de renda. “Prefiro ir trabalhar de carro do que a pé. Imagina, depois de um dia cansativo de limpeza, ainda pegar ônibus lotado?.”
Agenora conta que o “sucesso” de sua profissão se dá por conta de seu empreendedorismo. “Tem que ser esperta, né. Eu avalio o tamanho da casa, a quantidade de gente que mora, a distância. Daí cobro entre R$ 60 e R$ 100 por dia de trabalho, dependendo do caso.” Ela confessa que já recusou trabalho. “Quando não tenho dia, eu recuso. Às vezes eu queria ser duas.” A diarista faz também academia para liberar o estresse do trabalho.
Com ensino médio completo e dona de uma casa própria, ela diz que sempre teve o sonho de estudar Administração de Empresas, mas afirma que “a idade não permite”. Agora, o próximo passo é comprar uma moto. “Eu quero comprar e vou comprar. Gasta menos e posso deixar meu carro na garagem. Pretendo comprar até dezembro e estou juntando dinheiro para pagar à vista.”
A diarista Josefa Evaristo, moradora de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, tem 42 anos e é doméstica há 30. Também tem carro do ano financiado em 40 prestações de R$ 800. O valor é quase metade do que tira por mês, cerca de R$ 1.800 com ajuda de uma pensão do ex-marido, já falecido.
Além de sustentar a casa, ela ajuda os quatro filhos. “Estou terminando de construir uma casa para minha filha, que vai casar. E depois quero ver se começo a guardar dinheiro, para garantir uma vida boa lá na frente.”
Outra doméstica representante deste novo perfil é Rosangela Pereira da Silva Gomes, de 32 anos, do Rio. Ela vai de carro, um Siena, para as três casas onde trabalha e, além disso, também está por dentro do mundo virtual.
Disse que já passou por cenas de preconceito por conta da profissão. Certa vez, um funcionário de um dos prédios onde ela trabalha perguntou se ela andava de ônibus. Ela respondeu que não, porque tinha carro. O rapaz, então, desconfiado, quis saber onde estava o carro de Rosa. “Eu mostrei no estacionamento e ele respondeu ‘mas aquilo ali não é carro de empregadinha não, é carro de madame’. Eu falei ‘olha, trabalhei muito, eu e meu marido, para conseguir comprar esse carro’. Só porque sou doméstica não posso ter um carro melhor?”, indagou Rosa.
Para ela, ser doméstica é mais vantajoso do que ser lojista ou secretária, profissões que ela já exerceu. “Trabalhei em uma loja de departamento, eram quase 12 horas por dia, uma exploração, não tinha direito a nada, era muito ruim o ambiente. Tudo fachada. Pedi demissão. Não tinha tempo de fazer mais nada na minha vida. Como doméstica não trabalho todos dias, tenho tempo para fazer minhas coisas, levo meu filho na escola e ganho mais”, disse ela, que é diarista há cinco anos.
Segundo Rosa, seu salário atual é o dobro do valor que recebia no comércio, onde, apesar da baixa remuneração e do clima pesado, não sentia preconceito.
Negócio próprio
Moradora de Belo Horizonte, a doméstica Maria Helena Pereira, de 36 anos, está na profissão há 18. Com o dinheiro que recebeu, comprou carro, casa e acaba de comprar uma loja para começar o próprio negócio.
Ela disse que voltou a estudar — voltou ao primeiro ano do ensino médio — para buscar um caminho diferente na sua vida. “Daqui a um ano me vejo em outra profissão. Eu quero ter o meu próprio negócio. Não que eu não goste do que eu faço, mas essa vontade de mudar está dentro de mim”, disse.
Mudança no perfil
A presidente do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo, Eliana Menezes, confirma a mudança no perfil das domésticas. “Antigamente, o emprego doméstico era tido como da época da escravidão, quando se trabalhava por comida. Não havia amizade, havia submissão.”
Segundo ela, a mudança no perfil ocorreu por conta do aumento da renda, com instauração de piso salarial para a categoria, pouco superior ao salário mínimo. Confirmou que há diversos casos de mulheres que estudam e fazem cursos para se qualificar. Os salários, que eram abaixo do mínimo, costumam ser, na capital paulista, entre R$ 700 e R$ 1.200.
Ela pondera que as diaristas, que podem ganhar bem mais, até R$ 2.000, deveriam pensar melhor e tentar emprego com carteira assinada. “Esse é o ponto xis, ganham mais por dia, mas perdem imensamente mais. Não têm férias, não têm 13º. O nosso trabalho é conscientizá-las disso, de seus direitos.”
Apesar da melhoria na situação das domésticas, conforme aponta o sindicato, o IBGE informa que, de modo geral, as condições de trabalho da categoria no Brasil continuam precárias – mais de 70% não tem carteira assinada e o rendimento médio mensal é de R$ 395.
A doméstica Jacionete Silva Santos de Paula, de São Paulo, disse que já aprendeu a lição. Tinha emprego com carteira assinada e ganhava um salário mínimo. Pediu demissão há um mês porque o trabalho estava pesado demais. Propôs que a patroa dobrasse seu salário e ainda contratasse uma diarista para ajudar, mas ela alegou que não podia.
“Chega de escravidão, não nasci para isso. Tenho consciência dos meus direitos e sei que posso encontrar um emprego melhor.”
Fonte: G1