Tonia Carrero, Eva Vilma, Odete Lara, Norma Bengell e Ruth Escobar na Passeata dos 100 mil no Rio
“Não dá mais para salvar a memória dela, comprometida pelo Alzheimer”, diz Inês Cardoso ao falar sobre a situação de sua mãe, Ruth Escobar, de 75 anos. “Mas ainda é possível salvar a memória do que ela deixou.”
Um dos nomes mais notáveis do teatro paulista do século 20, Ruth Escobar construiu um enorme acervo. Seja como atriz. Seja como produtora cultural. São imagens, documentos, vestígios de grandes espetáculos. Um patrimônio inteiro que hoje está ameaçado, alerta a filha.
Por determinação da justiça a gestão desse legado, assim como de todos os bens de Ruth, está a encargo de um escritório de direito. Há cerca de cinco anos é a advogada Marília Bueno Pinheiro Franco quem responde como curadora. “Ela é completamente indulgente. Nem quero entrar na questão dos imóveis, que estão destruídos. Quero chamar a atenção para a gestão do acervo artístico da minha mãe”, diz Inês, que aponta negligência na administração do patrimônio.
Armazenada em uma casa na Rua 13 de maio, na Bela Vista, a coleção da artista estaria ameaçada pela chuva, umidade, além da presença de ratos e insetos. “Parece que passou um tsunami. É deprimente”, considera Inês. Procurada pela reportagem, a advogada não foi encontrada para comentar a situação.
Sabe-se, porém, que Inês não é a única representante da família a denunciar a atual situação de abandono de Ruth. Outra filha da atriz, Patricia Escobar, também tem se manifestado. “Uma senhora, que fez tanto pela cultura e pela política cultural e direitos das minorias. Hoje ela nem sequer tem plano de saúde ou um médico que a acompanhe. É apenas atendida pelo SUS”, escreveu ela em sua página no Facebook.
É complicado entender por qual motivo a gestão do patrimônio de Ruth Escobar foi transferida para uma curadora designada pela justiça. Sabe-se que, por um desentendimento familiar, um dos filhos foi à justiça pedir a interdição da artista, que já apresentava sinais de Alzheimer.
Mesmo após receber o diagnóstico da doença, em 2000, Ruth seguiu trabalhando. Dois anos depois, ainda produziu o espetáculo Os Lusíadas. Montagem, aliás, que ainda lhe gera problemas. À época, ela criticou duramente o diretor Iacov Hillel. Ele, por sua vez, a processou, pedindo o pagamento de direitos autorais. Teve ganho de causa. A família acaba de pagar uma multa de R$ 80 mil para Hillel. “Ela já estava meio atrapalhada. Não estou questionando, eu entendo essa questão de direito autoral. Além disso, não estou disposta a criar briga com ninguém. A minha briga agora é com essa curadora”, comenta Inês.
De acordo com ela, todos os imóveis de sua mãe estariam abandonados. Inclusive a casa onde a atriz e produtora cultural ainda reside. “Ela fez uma pequena reforma agora porque eu fiquei um ano em cima. Havia um deque de madeira que estava destruído, um terraço em que podia até morrer um funcionário.”
Fotografias do local em que está abrigado o acervo de Ruth dão uma amostra do quadro de abandono. Há papéis espalhados e móveis destruídos por todos os cantos. “O que está se perdendo é a oportunidade de as novas gerações entenderem o que foi esse teatro da década de 1970. Tão transformador, tão libertário”, considera Inês.
Não existe um inventário que dê conta do tamanho ou do valor dessa coleção. Pela trajetória dessa atriz-empresária, porém, pode-se ter uma ideia da importância do que está sob ameaça.
Do Porto para São Paulo. A artista, que nasceu no Porto e veio para o Brasil em 1951, esteve desde sempre comprometida com as vanguardas artísticas.
Fundou em 1964, o seu próprio teatro e produziu uma série de espetáculos marcantes. Em 1968, notabilizou-se como intérprete e produtora de Cemitério de Automóveis. Dirigida pelo argentino Vitor Garcia, a partir de texto de Fernando Arrabal, a montagem foi um enorme sucesso na época. Seus registros – fotográficos e documentais – são apenas uma parcela do acervo que está na casa da Rua 13 de maio.
Lá, também é possível encontrar relatos das diversas produções internacionais que Ruth protagonizou: seria a primeira, por exemplo, a trazer para cá o trabalho de encenadores como Bob Wilson.
Não é apenas para o teatro, porém, que ela foi importante. Em 1980, esteve fortemente ligada ao movimento de democratização do País e foi eleita deputada estadual por dois mandatos.
Fonte: O Estado de S.Paulo
Fonte: O Vermelho