Um homem foi surpreendido na plataforma do trem em confabulação serena com os próprios botões. Perdia-se no infinito da linha férrea enquanto aguardava a máquina transportadora, de gente, de sonhos, de preguiça, de cansaço, de medos.
Ele mesmo portava esses sentimentos todos. Tinha preguiça de ver tantos dedos teclando, tantos olhos vidrados na tela, tanta conversa sem escuta, tanta exibição de conquistas pelos canais virtuais em busca de afeto e admiração.
Tinha o cansaço da faina diária, oito horas no computador, as preocupações com o dinheiro curto e muito trabalho, os colegas desesperados no banheiro acessando as redes sociais pelo celular.
Tinha medos e pesadelos. Medo de ser soterrado pelos aparelhos de comunicação, pelos auriculares, teclados, microfones, fibra ótica, telas sensíveis, falantes e curiosas, pelos avisos de compra efetuada naquele momento via cartão de crédito dele, cujos dados desconhecia (da compra e do cartão).
Tinha sonhos de viajar nas férias, de encontrar um novo amor, de pedalar com esse amor e curtir as montanhas, próximo a um lago e uma estação de esqui. No lago haveria patos selvagens mansos, cisnes, botos e as vitórias régias que ele teria importado dos rios amazônicos nas férias do ano anterior.
O homem esperava o trem e tinha a alma silenciosa e feliz de um ser urbano que não vive a vida num smartphone.