O assassinato do menino Juan, pobreza e negritude: certificados de mortes prematuras

Sérgio Martins

O descaso do Estado e dos governantes com as políticas sociais de proteção e superação da miséria e das péssimas condições estruturais, em que vive grande número de brasileiros, entre nós é histórica. Há uma descontinuidade das iniciativas governamentais, que fazem nossas esperanças diluírem dia após dia. A condição de indivíduo de baixa renda, negro, residente em periferias e favelas constitui-se um certificado, um prenúncio de assassinatos brutais e violência física.

O menino Juan, assassinado por agentes da segurança pública em Nova Iguaçu/RJ, retrata a realidade acima descrita. Uma criança negra moradora de bairro de periferia, que circula necessariamente, entre traficantes e bandidos de todas as espécies. Assistimos estarrecidos os fatos descritos na imprensa, uma mistura de terror, perversidade e manipulações realizadas pelos agentes estatais responsáveis pela segurança pública, que reuniu neste caso: policiais militares, delegado de polícia e perito.

O cenário é descrito em um jornal local: A violência não foi a única dificuldade enfrentada por Juan no bairro Danon. Na comunidade onde moram 6.500 pessoas, há falta de saneamento, água encanada, área de lazer, iluminação pública e asfalto… (Fonte: jornal Meia hora, 11.07.2011).

O consumo de drogas ilícitas é uma prática generalizada na sociedade, atingindo diversos segmentos da sociedade, independente de classe social. As drogas ilícitas são comercializadas nos condomínios, prédios de luxo, casas noturnas, ruas da cidade e nas comunidades. Porém, a ocupação extensiva e violenta pelo tráfico nas comunidades pobres, passou exigir do Estado uma ação inteligente e coordenada para reassumir o controle destas áreas.

Como explicar, que a mesma polícia elogiada na operação de ocupação do Complexo do Alemão, Cruzeiro e da Mangueira, sem nenhuma baixa civil, cometeu um erro grave e injustificável na operação na Cidade de Nova Iguaçu? Ora, se a fórmula desenhada de combate ao tráfico de drogas pelo comando da polícia no Estado do Rio de Janeiro teve êxito, porque não mantê-la nas comunidades da região metropolitana? Pelo que sabemos a polícia não se deslocou para Nova Iguaçu para combater um enfretamento entre quadrilhas.

Recentemente, os governos do Estado do Rio de Janeiro e Federal, decidiram que em razão da realização dos Jogos Olímpicos e da Copa das Federações implantarão um corredor higiênico na capital, dando prioridade à ocupação e pacificação das comunidades ocupada pelo tráfico na Capital, deixando de lado, toda chamada região metropolitana, que inclui Nova Iguaçu, cidade de Juan, Duque de Caxias, São Gonçalo e Niterói. A estratégia escolhida implicará, até mesmo, no corte de verbas públicas dos projetos preventivos chamados “Mulheres da Paz” e “Proteja”, direcionados às mulheres residentes nas comunidades e adolescentes em situação de risco. Tais projetos deram provas de que as ações de segurança pública podem superar as práticas coercitivas e violentas nas comunidades mais pobres.

A cidade maravilhosa, durante estes eventos internacionais, conviverá com regiões deflagradas pela violência policial, em consequência do deslocamento de traficantes, aumento dos pontos de vendas de drogas e da corrupção policial. A velha solução de maquiar a realidade social, a fim de mostrar para os estrangeiros uma cidade livre de suas contradições, acarretará a morte, violência e sofrimento de pessoas inocentes.

O caso do menino Juan deve ser tratado como um caso de violação de direitos humanos, mobilizando a sociedade civil organizada à convocar os Organismos Internacionais de Direitos Humanos para adoção de um conjunto de ações e relatórios que investiguem a ocorrência de assassinatos de civis por agentes da polícia do Estado do Rio de Janeiro nas comunidade pobres, e exija o cumprimento dos tratados de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Trata-se de um caso de execução sumária, não a única, de uma criança negra residente em uma comunidade pobre, realidade que se estende há mais da metade da população no Rio de Janeiro. As pesquisas científicas demonstraram de forma suficiente, que adolescentes e jovens negros residentes nesta região geográfica correm um grande risco de terem suas vidas interrompidas por crimes brutais, como, ora assistimos.

Infelizmente, todas as palavras e ações não superarão a dor e sofrimento dos pais do menino Juan, que dia-a-dia, sentirão saudades daqueles sorrisos abertos, das caretas diante dos jogos de Playstation, das arengas com os irmãos maiores, comuns aos meninos nesta idade. Por outro lado, penso na condição de pai daqueles onze homens, antes um grupamento policial, agora uma quadrilha, envolvidos na morte Juan, que por designação superior deram inicio a uma operação fadada ao fracasso e a tragédia. Estes perderão seus empregos, sentarão no banco dos réus e amargarão suas penas com seus familiares, enquanto seus superiores, aqueles que deram as ordens, serão apenas afastados ou colocados na reserva.

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