O Brasil das Olimpíadas de Paris é uma mulher negra

Enviado por / FonteGE, por Alexandre Alliatti

Beatriz Souza e Rebeca Andrade são os principais nomes do país na primeira semana dos Jogos Olímpico. E isso não poderia ser mais simbólico

Na pele que se molha com o choro emocionado de Beatriz Souza, na face que recebe o sorriso de Rebeca Andrade, o Brasil se reconhece por alguns traços essenciais: aqueles são rostos de mulheres – e de mulheres negras.

Elas foram as duas maiores personagens do esporte brasileiro na primeira semana das Olimpíadas de Paris: Rebeca com a prata no individual geral e o bronze por equipes na ginástica artística; Beatriz com o ouro no judô. Não poderia ser mais simbólico: elas são um retrato do país.

As mulheres são maioria no Brasil (51,5%, pelo último censo, em 2022). E agora, pela primeira vez, formaram a maior fatia também da delegação olímpica brasileira (55%). A mudança começa a se refletir nas medalhas: das sete conquistadas pelo país em Paris até esta sexta-feira, cinco foram para atletas ou equipes femininas – acrescentando-se à lista Larissa Pimenta, bronze no judô, e Rayssa Leal, bronze no skate.

Rebeca Andrade é prata no individual geral – Paris 2024 — Foto: Loic VENANCE / AFP

Da mesma forma, pretos e pardos, somados, formam o recorte mais significativo da população brasileira – 55,5%, segundo o IBGE. Disso resulta um Brasil negro, um Brasil mulher. E que se apresenta assim em Paris, com esse 3×4 daquilo que somos, fomos e poderíamos ser.

Beatriz e Rebeca nos lembram que a população negra continua entregando a esse país mais do que ele entrega a ela – no caso das Olimpíadas, em forma de beleza, luta, obstinação: em forma de esporte. É confortável adotar o discurso da superação, do povo guerreiro e trabalhador, e deixar de lado nossa pior lembrança, nossa maior vergonha: o Brasil escravizou parte de sua população; o Brasil amarrou parte de sua população em troncos e a chicoteou.

Se as Olimpíadas não forem o momento de se falar sobre isso, então não haverá momento algum. Elas são essencialmente políticas (ainda mais na edição de 2024, que se propõe a ser igualitária, representativa). Aproveitar a ocasião para sublinhar essas lembranças não significa criar um manual de como torcer ou para quem torcer – por favor, não é nada disso.

Até porque a delícia dos Jogos Olímpicos também está aí. Ela nos espanta, nos comove, e de repente, quando mal percebemos, estamos vibrando por causa de algum adolescente andando de skate, algum desconhecido montando um cavalo, algum barco singrando águas. Aproveitemos.

Mas também aproveitemos tudo aquilo que está no sorriso de Rebeca e no choro emocionado de Beatriz. Tem um bocado de Brasil ali.

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