O Brasil de Diogo e o Brasil de Luiza; por Wagner Iglecias

Wagner Iglecias

A entrevista de Luiza Trajano ao Manhattan Connection, da Globonews, no último domingo, está rendendo piadas nas redes sociais. Apresentada como uma das poucas lideranças empresariais que vêem com otimismo o cenário econômico brasileiro, ela sofreu uma desastrada tentativa de questionamento em relação a sua visão atual sobre o país e sobre suas expectativas em relação ao futuro próximo.

Luiza tem aquele jeito caipira do interior de São Paulo, de gente como a gente. Dá a impressão de ser aquela vizinha pacata de cidadezinha pequena que recebe as visitas na cozinha de casa com uma broa de milho em cima da mesa e um cafezinho passado na hora. Mas é só a impressão. Ela é uma das maiores empresárias da América Latina, comanda um império com 50 anos de História, com mais de 700 lojas e que faturou mais de R$ 5 bilhões em 2011, segundo a publicação Maiores e Melhores da Revista Exame. Luiza viaja o mundo, e no Brasil vive dando palestras para executivos e estudantes de administração sobre o estrondoso sucesso de sua empresa.

Não bastasse tudo isso foi provocada por Diogo Mainardi, que ao que parece tem uma visão sobre a economia brasileira bem na linha daquilo que a própria Luiza chamou de “copo meio vazio”. De fato tem uma turma por aí que se a gente ouve ou lê sai pensando que o Brasil vai acabar amanhã. Diogo pintou um cenário muito preocupante, e apertou Luiza, que saiu-se bem de todas as pegadinhas. Ela discutiu indicadores e mostrou que a inadimplência no país não está no nível que Diogo afirmou. Não mordeu a isca do “não na sua loja” quando Diogo voltou à carga e ainda sambou, mesmo sem parecer ter intenção de faze-lo, quando prometeu a Diogo enviar-lhe por e-mail os dados corretos e atualizados sobre crédito e inadimplência no país.

Mas o pior estava por vir. Diogo tascou na lata: “Quando você vai vender suas lojas para a Amazon?”. Questão de opinião pessoal, claro, mas pra mim foi uma descortesia com alguém que há 40 anos tem trabalhado num negócio familiar que começou como uma lojinha de interior e se transformou numa mega empresa. Na minha concepção, apesar de descortês, a pergunta foi muito interessante, pois parece revelar a mentalidade de boa parte da elite brasileira. Uma elite que parece jamais ter tido um projeto de nação e que, no limite e se preciso for, passa seu patrimônio nos cobres e vai viver de renda. A mesma elite que passou décadas sob o manto protetor do Estado, mas que na hipótese da vitória eleitoral de um governo de esquerda abraçou com fervor o neoliberalismo e vendeu suas empresas a concorrentes estrangeiros. Praticamente “nocauteado” pelas respostas serenas de Luíza, Diogo lançou um “me poupe”. Pedido também muito interessante, que caberia bem no discurso de tanta gente que se diz patriota mas que nega dia após dia, há anos, que o Brasil melhorou. Gente que se proclama capitalista mas que torce o nariz para aeroportos lotados e rolezinhos em shopping centers.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e Professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.

Fonte: GGN

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