O brasileiro é racista, mas finge que não é

A democracia racial é uma farsa. Gilberto Freyre passou para a história como o responsável pela criação desse mito. Muitos intelectuais sustentam, no entanto, que ele nunca defendeu essa ideia. Preferia usar as expressões “democracia social” e “democracia étnica”. Não importa agora. Não vou vociferar contra o autor de Casa-Grande & Senzala. Assim como ele, gosto de pensar que a miscigenação entre ibéricos, africanos e índios resultou em algo positivo. Um caldo cultural que nos engrandece.

Por: Domingos Franca

O que me incomoda é que as ideias do sociólogo pernambucano geraram no nosso inconsciente coletivo o conceito falso de que o Brasil é um país diferenciado. Aqui, conflitos entre brancos e negros…. Melhor: entre senhores e escravos teriam sido mais harmoniosos do que em outros países. Escravocratas bonzinhos aceitavam seus escravos na casa grande. E escravos que preferiam essa vida, doméstica e servil, a lutar pela liberdade. Quase como uma grande família, num regime patriarcal.

Assim, deste passado idílico, chegamos aos dias de hoje, sob os auspícios da democracia racial.

Nunca acreditei nisso. Acho, inclusive, essa visão nociva para o nosso fortalecimento como nação. É fato que somos um povo altamente miscigenado, e como disse antes, procuro ver elementos positivos nisso. Mas é fato também que essa miscinenação deu-se pela opressão.

Por que só no Brasil seria diferente? Por que só aqui, o colonizador europeu seria o fornicador que índias e negras esperavam sedentas? Seriam meus antepassados portugueses mais sedutores do que os ingleses e espanhóis? Claro que não. Somos um país mestiço porque as mulheres foram estupradas.

Essa confraternização mentirosa gerou gente mentirosa. Sinceramente, tenho dúvidas se não seria melhor termos tido no Brasil situações mais duras de enfrentamento racial. Como vivemos num mundo de faz de conta, fingimos que todo mundo é igual, mas o negro continua sendo visto como escravo. E como é visto como escravo, tem menos oportunidade para crescer. E como tem menos oportunidade para crescer, é presa fácil para os mais fortes.

Um estudo divulgado no mês passado pelo Ipea revelou que a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que um branco. Dito de uma forma mais vergonhosa: a vida de um negro vale quase quatro vezes menos do que a de um branco.

Quantos negros você conhece em posição de destaque na sociedade? Não vale falar naquilo em que o senso comum aponta como destino natural para eles: esporte e música.

Acredito que já estejamos desenvolvidos o suficiente enquanto sociedade, para debatermos, de fato, a inserção do negro na sociedade brasileira.

Vamos colocar um ponto final nessa exclusão sorrateira. Só que será preciso mais transparência. Chega de fingimento. Que cada um assuma o racista que existe dentro dele. E, dessa maneira, vamos tentar superar as divergências. É mais digno com o País e com todos nós.

Uma das coisas mais pavorosas que lembro da minha infância é que nela não havia negros, nem mesmo crioulos. Só “escurinhos” ou algum “moreninho”. Um racismo escamoteado. E, por isso mesmo, mais deletério.

Esse post nasceu da minha revolta com a notícia de que o Fashion Rio, que começa hoje, só contará com a presença de modelos negros porque foi obrigado. Como assim? Estamos na Noruega e eu não percebi? Uma denúncia dizia que os negros estariam sendo rejeitados na seleção para os desfiles. Depois de muita gritaria, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta.

Apesar dessa vitória contra o racismo, ficou decidido que as grifes terão que atender o percentual mínimo de 10% de negros em cada desfile. Como negros e pardos são maioria no país…..

Bem, espero que, pelo menos, ninguém na plateia reproduza um comentário comum ouvido nas nossas ruas: “que negra bonita, né?”.

Fonte: R7

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