O conceito de gênero por Joan Scott: gênero enquanto categoria de análise

Até a década de 80, sobrevivia com força a dualidade entre sexo e gênero, sendo o primeiro para a natureza e o segundo, para cultura. Uma das feministas que mais abalou essa concepção, trazendo novas perspectivas para os estudos de gênero, foi a historiadora estadunidense Joan Scott, quando da escrita de seu célebre artigo Gênero: uma categoria útil de análise histórica (1995), publicado originalmente em 1986.

Seu artigo tornou-se um clássico já quando publicado, sendo indiscutível sua influência não só nos Estados Unidos. Scott inicia o texto chamando atenção para o que ela considera os usos descritivos de gênero: quando apenas se olham para questões envolvendo mulheres e homens sem que se vá muito além.

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A historiadora, assumidamente pós-estruturalista, retoma o método de desconstrução do francês Jacques Derrida e busca, de fato, desconstruir vícios do pensamento ocidental, como a oposição tida como universal e atemporal entre homem e mulher (PISCITELLI, 2002). Scott, também influenciada por Michel Foucault, entende o gênero como um saber sobre as diferenças sexuais. E, havendo uma relação inseparável entre saber e poder, gênero estaria imbricado a relações de poder, sendo, nas suas palavras, uma primeira forma de dar sentido a estas relações.

Juntando esses referenciais, Scott conclui que gênero é uma percepção sobre as diferenças sexuais, hierarquizando essas diferenças dentro de uma maneira de pensar engessada e dual. Scott não nega que existem diferenças entre os corpos sexuados. O que interessa a ela são as formas como se constroem significados culturais para essas diferenças, dando sentido para essas e, consequentemente, posicionando-as dentro de relações hierárquicas.

São símbolos e significados construídos sobre a base da percepção da diferença sexual, utilizados para a compreensão de todo o universo observado, incluindo as relações sociais e, mais precisamente, as relações entre homens e mulheres (CARVALHO, 2011). Temos, portanto, a tal utilidade analítica de gênero: a possibilidade de nos aprofundar nos sentidos construídos sobre os gêneros masculino e feminino, transformando “homens” e “mulheres” em perguntas, e não em categorias fixas, dadas de antemão.

O reconhecimento das diferenças entre os corpos não leva, contudo, à manutenção da dicotomia sexo x gênero. Pois, se o corpo é sempre entendido a partir de um ponto de vista social, o conceito de sexo estaria subsumido no conceito de gênero(NICHOLSON, 2000). Logo, não faria sentido pensar o sexo como pertencente à natureza, esta inquestionável, porque a própria separação entre natureza e cultura já seria um produto cultural.

E, na opinião da historiadora, como se daria essa construção? Talvez esse seja justamente o seu ponto fraco – até porque é exatamente onde mais recaem as críticas –, mas Scott deixa a cargo principalmente da linguagem e do discurso. Para ela, é um universo simbólico que organiza socialmente aquilo que podemos enxergar nos corpos, nas relações sociais etc. Fico devendo, nesse momento, um aprofundamento nesta questão por motivo de espaço.

 

 

Fonte: Ensaios de Gênero

Leia também: O conceito de gênero por Judith Butler 

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