O crime pede respeito

Invasora detida em Brasília queixou-se: "Estão nos tratando como presos"

São numerosos os dados sobre pessoas com antecedentes criminais nos atos terroristas. Só o acampamento em Brasília registrou 73 delitos (lesões corporais, furtos) em dois meses. Não será por acaso que, em atentados ultradireitistas nos EUA, se registrem indivíduos com gravames penais. Entre trumpistas e seus êmulos brasileiros medeia um oceano de coincidências significativas tecidas pela relação íntima entre política e crime, traço essencial do fascismo.

Foi George Orwell quem primeiro enxergou na linguagem política a secreta destinação de fazer com que “o crime se torne respeitável”. Como a delituosa escamoteação da verdade sempre foi intrínseca à luta pelo controle do Estado, a afirmação visa prioritariamente efeitos colaterais do exercício do poder. A atualidade do escritor comprova-se na vida brasileira, onde se faz politicamente pertinente a sua tese de que “numa época de mentiras universais, dizer a verdade é revolucionário”.

Na linha de Orwell, a lógica do crime é maior que a da lei. De fato, na vida prática, mais importa a conduta, que pode ser existencialmente lesiva em aspectos não legalmente codificados. A lei, por sua vez, visa geralmente a garantir elites contra as classes desfavorecidas. Mas não pertence à pobreza a raiz do fenômeno criminoso (aliás, os pobres salvaram eleitoralmente o país), e sim à miséria humana, à aliança interna com a escuridão. Em sua amplitude, o crime configura todo dano ético à sociedade. Por exemplo, a tortura, assim como sua apologia pública.

É clara, assim, a natureza terrorista do vandalismo, da sabotagem elétrica e do caminhão-bomba, apesar da duvidosa tipificação legal. Inconteste é o crime tramado de lesa-instituição de paisanos e fardados: as falanges do Inominável e seus generais. Toda ideologia aspira à publicidade, mas é como se o crime fosse uma ideologia das sombras. E, na falta de bingos ou outros fetiches, a mancomunação delituosa pode confortar idosos, carentes de objetivos vitais e instrumentalizados pela perversão do gozo.

Talvez demore para se aquilatar toda a gravidade da delinquência antidemocrática, à qual não escapam autoridades, religiosos, médicos e o próprio Legislativo. Por enquanto, para um reequilíbrio realista, vale ponderar sobre miúdos episódios sintomáticos. Num deles, uma invasora detida em Brasília queixava-se: “Estão nos tratando como presos”. Ou seja, a coautora de um dos atentados mais infames contra a República brasileira ignorava a sua condição criminosa. Por alienação de classe ou por negação digital da realidade, o delírio privilegiado obscurecia a enormidade da violência. É que “cidadãos de bens” (e não “do bem”) são embalados pela cantilena fascista do crime respeitável.

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