Por: Arísia Barros
A menina tinha a pele preta e estava debruçada atenta na investigação das letras no papel branco à sua frente.
A menina tinha pele preta e o papel era branco.
O difícil para menina na casa dos 10 anos era reconhecer o que significavam as letras que pintavam o papel de preto.
A menina da pele preta estava debruçada sobre o papel branco nos gramados que contornam o Hotel Jatiúca, na orla da capital alagoana. Junto à menina tinha uma multidão de adultos da pele tão preta, quanto à dela, que displicentemente pescavam peixes na lagoa, jogavam baralho e tomavam uma “branquinha” às 7 horas da manhã..
Observava a cena em caminhada matinal e ao cruzar no passeio com a menina, esta me interpelou e estendeu o papel na busca de desvendar o mistério daquelas letras pretas no papel branco.
Quase caí no riso ao ver que o papel que a menina lia estava escrito em inglês. Uma língua tão difícil para ela quanto para mim. Estávamos, eu e a menina, analfabetas diante da mensagem no papel branco.
Apesar, de naquele momento, termos nos igualado ao mesmo grau de analfabetismo no desvendamento dos códigos da língua estrangeira, o analfabetismo da menina preta de sonhos largos, traduzia um mal maior, em uma terra em que a cidadania, ainda, é palavra incorporada a discursos políticos sem quase nenhuma ação prática.
Como aquela menina de pele preta existe um monte de meninas e meninos em Alagoas que não sabem escrever o próprio nome. E por mais que a educação oficial crie e recrie projetos pedagógicos o analfabetismo em Alagoas é um crime social perverso.
Um crime perfeito contra a cidadania de tantos meninos e meninas.
Fonte: Cadaminuto