Do 50 anos de textos
O golpe
Por Fernando Brant, do GGN
Devemos nos lembrar sempre, para que não ocorra de novo.
Eu tinha 17 anos e acompanhava com muito interesse a movimentação política. Lia jornais, ouvia rádio e vi, ao vivo, pela televisão, o comício do dia 13 de março, no Rio. Estudava no Colégio Estadual, instituição pública de ensino exemplar. Nos intervalos e nas salas de aula, as conversas sobre cultura e arte, e o olhar sorrateiro para as meninas que subiam e desciam pela rampa, dominavam o ambiente e foram ponto de partida para o que sou hoje.
Passando a Semana Santa em Diamantina, recebia assustado os rumores de uma possível quartelada, enquanto Dom Sigaud abençoava os frequentadores dos botequins da cidade. Voltamos para Belo Horizonte a tempo de acompanhar de casa os acontecimentos. Na Rádio Nacional, os amados artistas pregavam pela legalidade. Na Rádio Inconfidência, destoando, animadores de auditório apoiavam a ação dos golpistas.
Triste, chorei e sofri com o resultado final. “Minhas lágrimas continuam justas”, eu escreveria alguns anos depois para o final do filme Jango, de Sílvio Tendler.
21 anos mais tarde dessa desgraça que se abateu sobre os brasileiros eu teria meu momento de desforra quando, diretor artístico da rádio pública de Minas, com alegria e muito trabalho, junto com os radialistas e jornalistas, colocamos no ar, durante todo o dia, a festa da vitória no Colégio Eleitoral, que trazia de volta a esperança e a democracia. Como nem tudo é perfeito e a vida nos prega peças indesejáveis, acabamos tendo de engolir o sapo Sarney.
A Cultura me alimentou durante esse período de repressão e escuridão. O teatro, com espetáculos poéticos que nos inflamavam, vindos do Rio, São Paulo ou nascidos aqui mesmo, carregava nossas baterias para que suportássemos os tempos que se anunciavam. Música, cinema e literatura eram um saboroso combustível para o quase menino que eu ainda era. Havia o trabalho, a faculdade, os amigos e as passeatas que percorriam as ruas da cidade em protesto.
Quando em 1968 vieram o AI-5 e o 477, o ato institucional contra a liberdade na educação, a coisa piorou. Senti isso de modo profundo quando voltei às aulas no início de 1969. Tudo era um vazio e um silêncio. Fomos levando nossas vidas na resistência pacífica, eu já escrevia canções nesta época, mas muitos daqueles jovens que beiravam os vinte anos acabaram empurrados para a luta clandestina, o que resultou em muita morte.
Tempos de desespero aqueles, que devem ser lembrados para que não mais ocorram. Ditaduras e ditadores, sob qualquer pretexto ou ideologia, merecem desprezo, repulsa e nojo.