O julgamento de Lula

Não há vida coletiva democrática sem divergências. Ocorre que, enquanto no plano intelectual ela dá lugar a conclusões, inevitavelmente parciais e provisórias, no âmbito da Justiça, ela enseja decisões que incidem sobre destinos individuais.

Por Luiz Eduardo Soares, do Justificando 

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Ricardo Moraes/Reuters)

As democracias se orgulham de submeter os contenciosos entre seus cidadãos e as denúncias de infração à legalidade não ao arbítrio do déspota ou ao escrutínio divino, mas à Justiça. E as características decisivas dessa instituição são a laicidade, a independência e a consciência plena tanto de sua imperfeição, por humana, quanto da magnitude de seu poder, na medida em que guarda em si, virtualmente, o peso coercitivo do Estado. Exatamente por saber-se falha e demasiadamente poderosa, a Justiça modera o eventual ímpeto punitivo de seus representantes e afirma sua legitimidade no exercício prudente de seu ofício.

É por saber-se intrinsecamente falha que a Justiça multiplica suas instâncias e as oportunidades de revisão das decisões. E é sobretudo por isso que a pena de morte degrada os fundamentos da Justiça: trata-se de sentença cujos efeitos são irreversíveis, o que só seria compatível com uma Justiça infalível. Ninguém volta à vida se um erro vier a ser constatado, no futuro.

Pois é aqui que essas ponderações nos levam ao julgamento do ex-presidente Lula: minha convicção pessoal e intelectual mais profunda é que o réu é inocente do crime que lhe imputam. Mas isso não importa. O que, sim, importa, é que estamos diante de um dilema análogo ao da pena de morte. Uma eventual confirmação da condenação impactará as eleições presidenciais e, portanto, a história futura da sociedade brasileira. Não há volta na história. Temos, de um lado, as decisões de três homens (os juízes também o são e compartilham a falibilidade, que é nossa natureza); de outro, a sociedade e seu principal instrumento de poder, o voto. Não há tribunal maior que a vontade popular, no regime democrático. É por sabermo-nos falhos que reconhecemos a soberania da decisão popular. Se coubesse a mim um apelo, eu o faria à consciência dos juízes para que atentem à falibilidade humana e admitam a necessidade de que a Justiça dose seu poder e limite os efeitos de sua decisão, recusando-se a dirigir o processo político brasileiro.

Luiz Eduardo Soares é antropólogo, escritor, dramaturgo e professor de filosofia política da UERJ. Foi secretário nacional de segurança pública. Seu livro mais recente é “Rio de Janeiro; histórias de vida e morte” (Companhia das Letras, 2015).

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