O legado fundamental dos povos africanos para a cultura brasileira

Influência está presente até hoje em áreas como a linguagem, a música e a culinária, mas afrodescendentes ainda sofrem com discriminação

“Não zangue nem me xingue por estar cochilando ou cochichando”. Você sabia que todos os verbos dessa frase são de origem africana? Centenas de outras palavras que usamos no cotidiano também vieram da África: marimbondo, tanga, sunga, canga, tamanco, quiabo, quitute, jiló, chuchu… Além do modo de falar, recebemos influência também na comida, na música, na dança, na maneira de trabalhar… Por isso que conhecer – e respeitar – a África é tão importante, ressalta Alberto da Costa e Silva, ex-diplomata, membro da Academia Brasileira de Letras e autor do livro “A enxada e a lança”, considerado um dos mais completos estudos sobre o continente africano.

“O processo de migração forçada de africanos foi um dos mais longos de nossa história, durou mais de 300 anos. Eles moldaram nossa maneira de viver, assim como os ameríndios. A maioria dos portugueses chegava sem mulheres. E os africanos também. Logo, parte da população brasileira foi gerada no ventre da mulher indígena”, ressalta o especialista.

A bagagem cultural africana marcou profundamente nossa história, além do óbvio, conta Costa e Silva. “Devemos aos africanos a forma de construir a casa rústica; importantes técnicas agrícolas e pecuárias; as forjas de ferro; a maneira de peneirar o ouro nos garimpos; o modo de nos comportarmos, de gostar da rua. A influência é rural e urbana. Recebemos milhares de africanos de regiões diferentes, em períodos distintos, e cada povo deixou um legado. O povo da Alta Guiné tinha a cultura do arroz, e quando foi trazido para o Maranhão, deixou lá essa marca. O forte na Costa do Benin era o inhame, o dendê e a malagueta, e como eles vieram para a Bahia, o dendê se tornou uma marca da região. Cabe destacar também que a influência foi recíproca, pois o povo africano herdou de nós a mandioca, a batata-doce, o caju e o abacaxi. Na música temos o samba, o maracatu, o frevo… “, revela.

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Apesar da contribuição ímpar para nossa história, a população negra ainda sofre nos dias de hoje os efeitos do preconceito e da desigualdade. De acordo com informações do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010, elaborado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os negros e pardos estão mais vulneráveis em relação à segurança alimentar, possuem maior defasagem escolar e recebem menor número de aposentadorias e pensões da Previdência Social.

Em relação ao acesso à Justiça, o relatório revela que a maioria dos processos por crime de racismo julgados nos Tribunais Regionais de Trabalho (TRTs) é vencida pelo réu da ação e não pela vítima. Entre os dados apresentados pelo relatório, está também um estudo das principais causas de mortalidade entre a população negra. O documento revela que, nos anos 2006 e 2007, das 96 mil pessoas assassinadas no Brasil, 63% eram pretas ou pardas. Em 2007, o número de assassinatos entre as mulheres negras era 41,3% superior ao observado entre as mulheres brancas. Para Nei Lopes, compositor e estudioso da cultura negra, houve avanços na luta contra o preconceito, mas ainda falta muito para o problema ser resolvido.

“O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil traça um panorama incontestável da situação. Ainda sentimos muito os efeitos da escravidão. As ações afirmativas, como a política de cotas, são um caminho para reverter esse quadro. Passageiro, provisório. É claro que hoje raramente há discriminação explícita, mesmo porque é crime. Mas a sociedade brasileira ainda é bastante racista em relação aos pretos e ‘pardos’, aos negros enfim. E isso se reflete claramente nas estatísticas. O Brasil só poderá cumprir seu destino de grande nação quando saldar a dívida que tem para com a parcela mais sofrida de sua população, que é a dos afrodescendentes”, completa.

 

 

Fonte:  O Globo

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