O meu Novembro é Negro

No mês em que se celebra a luta contra o racismo, tenho o orgulho de representar o Instituto Nacional de Câncer (INCA) por meio de sua área de ações sociais – INCAvoluntário – no evento Novembro Negro, que reúne hospitais federais e institutos nacionais em prol da promoção e divulgação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Como responsável pelas equipes de voluntários em dois hospitais do INCA, referência em oncologia no Brasil, também fui fotografada para a Exposição Sorriso Negro, que integra o encontro e circula de forma itinerante pelas unidades do INCA.

Em meio a tantas celebrações desse período do ano, em que a dor e a resistência do povo negro ganham mais visibilidade, percebi o quanto precisamos resgatar o passado e nos reconectar com a história, a cultura, com as nossas raízes….E me lembrei muito da minha mãe, Ana Cristina. Mãe solteira, ela sempre trabalhou para sustentar a mim e a minha irmã. Migramos da escola pública para a privada graças a seu ofício como agente de reabilitação. Ela, minha madrinha, Edna, e minha avó Abadia, já falecida, sempre foram guerreiras e comprometidas com a luta do nosso povo.   

Desde criança, senti o peso de não me encaixar nos padrões impostos pela sociedade. Cresci sem ver minha imagem refletida de forma positiva, seja nas bonecas, nas revistas, ou nas telas. Essa ausência de representatividade infantil teve um impacto profundo e, hoje, carrego as marcas de uma autoestima fragilizada. Essa realidade é compartilhada por muitas pessoas negras, cujas histórias de invisibilidade começam na infância. Por isso, a luta por uma consciência negra vai além da celebração de nossas raízes. É  sobre criar espaços nos quais as crianças negras se vejam representadas e reconhecidas.
 
Antes de entrar para o Instituto Nacional de Câncer, fiquei um tempo desempregada. Fiz inúmeras entrevistas e, em muitas ocasiões, senti o preconceito falar mais alto. Eram vagas simples, totalmente compatíveis com a minha formação de administradora, mas a aprovação nas seleções não acontecia. E eu, no íntimo, sabia o motivo. 

Hoje, comemoro a conquista de representar o INCAvoluntário, a área de ações sociais do INCA, há mais de cinco anos. É uma sensação de empoderamento, especialmente porque me relaciono com outras lideranças negras no meu local de trabalho. Tenho a felicidade de atuar no Terceiro Setor, que vem se comprometendo com a promoção da equidade racial mais do que os outros setores da economia. Infelizmente, ainda existe um racismo camuflado em toda a sociedade, e as pessoas pretas continuam precisando dar mais provas da sua competência no ambiente de trabalho do que as pessoas brancas. Só sabe quem sente na pele.

Nós, negros, não devemos mais silenciar. Temos que colocar o dedo na ferida e cuidar de machucados que, por séculos, foram negligenciados. Também temos que acelerar a ocupação dos espaços a que todas as pessoas têm direito, seja qual for a cor de sua pele. Nossa missão é, ainda, transmitir essa consciência e força às futuras gerações, como tem feito Rodrigo França, autor do livro “Pequeno Príncipe Preto”. Agora em novembro, o escritor contará a história  para as crianças em tratamento no INCA. Mais um golaço do INCAvoluntário, incentivando desde cedo a construção de laços de carinho e afeto, com representatividade e respeito pela diversidade.


Naísa Batista – Supervisora dos Núcleos de Atendimento do INCAvoluntário no Hospital do Câncer III e no Hospital do Câncer IV, ambos no Rio de Janeiro.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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