O monstro cresceu e nós falhamos

Nesta semana até mesmo a mídia tradicional se posicionou frente as evidentes ilegalidades cometidas no âmbito do processo criminal mais famoso do Brasil. Hoje, 18.03.2016, houve até editorial do jornal Folha de São Paulo intitulado “Protagonismo perigoso”, criticando a postura do Juiz Federal Sérgio Moro, que divulgou conversa telefônica da Presidência da República. No entanto, os abuso e arbitrariedades cometidos em processos criminais não são de hoje. O monstro punitivista sempre esteve entre nós, e agora ele está mais forte do que nunca, personificado na figura de um juiz-salvador.

por Theuan Carvalho Gomes da Silva no Justificando

O processo penal em si vem sofrendo há muito tempo. Os institutos processuais são deturpados de maneira discricionária por magistrados de primeiro grau. A sanha do punitivismo parece superar qualquer direito ou garantia processual penal. Atualmente, esse quadro parece ter rompido a seletividade secundária do sistema de justiça criminal – ao menos contra um determinado grupo político – e alcançou gente que, historicamente, restava impune no Brasil. No que pese o regozijo e comoção social, que ainda reina em favor da sanha punitivista, alguns parecem ter acordado só agora para o monstro que vem sendo criado ao longo de todo esse tempo. No país em que o próprio direito de defesa é criminalizado, sendo que um escritório de advocacia inteiro é grampeado apenas porque defende determinada pessoa, não há como se falar em outra coisa a não ser em estado de exceção: o monstro está fora de controle – e sempre esteve.

Não se pode perder de vista que o sistema de justiça criminal sempre foi uma máquina de moer preto, pobre e periférico (trocamos o terceiro “p”). Sejamos sinceros, o processo como garantia, na grande maioria dos casos, nunca passou de discurso acadêmico e tese de defesa. Com efeito, o instituto da prisão provisória foi absolutamente deturpado por grande parte da magistratura nacional. A regra, na grande maioria dos processos criminais é prender até que se prove o contrário. Evidencia disso é incrível marca de 41% de pessoas presas, mesmo depois da Lei 12.403/2011, que introduziu diversas medidas cautelares como regra de acautelamento processual.

Os institutos processuais que afetam diretamente as liberdades individuais da pessoa sempre foram banalizados. Interceptações telefônicas como forma de investigação, juízes que colhem a prova oral em audiência em afronta ao art. 212 do CPP, decisões de recebimento de denúncia pro forma, delações premiadas extraídas a partir do encarceramento, etc. Há muito tempo o monstro vem sendo alimentado. Na última semana ele apenas se mostrou forte e grande o suficiente para, no mínimo, abalar as estruturas de nosso recente Estado Democrático de Direito.

Enquanto que ainda é possível encontrar quem defenda a relativização das garantias processuais penais em nome do combate à impunidade, parece haver unanimidade quando ao colapso do sistema prisional brasileiro. Ninguém dúvida que os presídios são masmorras medievais. As ilegalidades que acometem o sistema prisional já foram reconhecidas, até mesmo, pela Suprema Corte, na análise da medida cautelar da ADPF 347. Todos sabemos como se prende no Brasil, mas nem por isso os tribunais e juízes concedem habeas corpus para fazer cessar as ilegalidades decorrente da prisão de uma pessoa.

A academia, por sua vez, nunca se calou. Docentes sempre denunciaram os abusos e arbitrariedades que o sistema de justiça criminal promove. O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que foi criado após o massacre do Carandiru, é um exemplo de trincheira aguerrida em prol das liberdades. Poderia citar diversos outros grupos, ONGs, Institutos, professores e professoras que, cotidianamente, denunciam os abusos e arbitrariedades que são cometidos contra aqueles que não tem voz, e que nunca tiveram vez. Mesmo com a corajosa resistência imposta frente ao senso comum punitivo, o monstro está cada dia maior. Neste mesmo dia 18.03.2016, foi sancionada a lei antiterrorismo, que pode, no contexto brasileiro, servir para criminalização de movimentos sociais.

Não há como se negar que o monstro punitivista cresceu assustadoramente. Agora, parece que o monstro perdeu a vergonha, já que goza de grande aprovação social. As denúncias feitas por sérios juristas quanto a ilegalidades cometidas na operação lava-jato são a regra da imensa maioria de processos criminais, que por diversas razões, inclusive políticas, não recebem o mesmo destaque midiático que recebe a lava-jato. Não há dúvidas que a hora é de se posicionar ao lado da estabilidade democrática e do Estado Democrático de Direito. No entanto, no que pese a incansável luta e denúncia de muitos e muitas, quando essa tempestade toda passar, não nos esqueçamos que isso tudo só foi possível porque, em alguma medida, falhamos em conter o monstro punitivista.

Theuan Carvalho Gomes da Silva é Mestrando em direito pela UNESP. Pós-graduando em direitos humanos pela USP. Associado ao IBCCRIM e ao IDDD. Advogado Criminalista.

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