O mundo voltou a ver Mandela numa aparição rara. E consentida?

Nelson Mandela não era visto em público desde a final do Mundial de futebol na África do Sul em Julho de 2010. Um ano depois, foram mostradas imagens do herói anti-apartheid e ex-Presidente sul-africano quando a primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama o visitou e também em 2012 durante uma visita da então secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton a Mandela na sua aldeia natal Qunu. Eram imagens festivas. Nelas, Mandela sorria. Com o mesmo sorriso digno com que caminhou livre em 1990, depois de 27 anos preso, frente às câmaras de televisão de todo o mundo.

Nesta semana, voltou a ser filmado e visto. Mas com ar ausente e sério – quase irreconhecível. Frágil, com um ar doente e incomodado pelo flash de uma câmara fotográfica, quando é bem conhecida, na África do Sul, a fragilidade da sua vista desde os tempos em que trabalhou na pedreira na prisão de Robben Island. Quando foi Presidente, entre 1994 e 1999, só eram permitidas fotografias sem flash.

Muitos sul-africanos lamentaram a difusão das imagens pela televisão estatal South African Broadcast Corporation (SABC) da visita que uma alta delegação do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês) fez à sua casa de Houghton, em Joanesburgo, na segunda-feira. O Presidente Jacob Zuma e o seu vice-Presidente Cyril Ramaphosa estavam presentes.

Uma visita que noutras circunstâncias seria de celebração transformou-se, para muitos sul-africanos, num momento confrangedor e mesmo “vergonhoso”, “triste” e “infame”, disse John Robbie, DJ de rádio.

Nas imagens depois mostradas pelas televisões de muitos países, a aparência debilitada e triste, apática e distante de Mandela contrasta com a imagem que muitos sul-africanos gostariam de guardar do herói.

No seu rosto, uma expressão de desconforto ou mesmo desagrado. Mandela surge como alguém que não quer estar ali. Terá ele consentido? Quem o consentiu? “Nenhum de nós tem forma de saber o que é que o ex-Presidente Nelson Mandela estava a pensar ou a sentir quando as câmaras o filmavam na segunda-feira, porque ele não disse nada”, escreve o colunista Khaya Dlanga no jornal Mail & Guardian.

Porquê então mostrá-lo? A pergunta é feita por comentadores nalguns jornais e junta-se à indignação de muitas pessoas nas redes sociais. Uma resposta possível vem de Khalya Dlanga: “Talvez o ANC tenha sentido a necessidade de provar ao mundo que Mandela é um membro do ANC. Todos os sul-africanos sabem isso. Não há necessidade de o provar.” No artigo em que recupera para o título o slogan “Free Mandela” (“Libertem Mandela”) e em que lhe acrescenta “do ANC”, sentencia: “O homem que lutou para libertar todos os sul-africanos é agora um prisioneiro do próprio movimento de libertação que em tempos liderou.”

Gesto de política
Outra reacção surgiu da conhecida analista Palesa Morudu do Mail & Guardian, citada pela AFP: “Uma iniciativa deste tipo só pode ser tomada por um político porque nenhum ser humano normal faria algo assim a um homem idoso.”

O ANC, que foi quem fez o convite à estação de televisão, defende-se, dizendo que a companhia de Mandela não deve ser escondida mas partilhada, que só a equipa da SABC foi autorizada a entrar na casa de Mandela para que não fosse muito importunado e que, por serem no interesse público, as imagens foram depois disponibilizadas a outras televisões.

Nesta iniciativa do partido no poder, a primeira de duas contradições: a exposição de Mandela segue-se ao black-out informativo imposto pelo próprio ANC nas várias ocasiões em que o ex-Presidente foi hospitalizado, a última da quais no final de Março deste ano. Regressou à sua casa de Joanesburgo a 6 de Abril, onde desde esse dia recupera de uma infecção pulmonar.

Nestas imagens, em que está sentado com uma manta sobre os joelhos e a cabeça hirta repousa sobre uma almofada, a segunda contradição: Mandela parece não saber por que está ali. E apesar disso, o ANC do Presidente Zuma diz que o encontrou em “boa forma” e “bem-disposto”.

 

 

 

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