O pioneirismo e o legado de Aida dos Santos, uma lenda do esporte brasileiro

Enviado por / FontePor Michele Gama, do ge

Há 57 anos, Tóquio recebia pela primeira vez uma edição dos Jogos Olímpicos. No ano de 1964 a Guerra do Vietnã estava em curso. Cassius Clay, que mais tarde se tornaria Muhammad Ali, conquistou seu primeiro título mundial dos pesos pesados. Martin Luther King ganhou o Nobel da Paz pela sua luta no combate à desigualdade racial nos EUA. E o Brasil enfrentava um de seus maiores golpes da história, o militar.

A capital japonesa recebeu naquela Olimpíada 5.151 atletas de 93 países, que disputaram 25 modalidades. A delegação brasileira, que competiu em dez esportes e conquistou uma medalha de bronze com a seleção masculina de basquete, foi representada por 68 atletas, sendo apenas uma mulher: Aida dos Santos.

“Sempre que falam do Japão, sobre a Olimpíada é uma coisa linda, maravilhosa, é o mundo todo competindo. A organização em 64 foi muito bonita. Mas pra mim foi bonita e foi triste. Tinha dia que eu chorava e minha vontade era voltar para o Brasil. Foi doloroso, mas valeu a pena.”

Ter sido a primeira brasileira a disputar uma final olímpica, feito esse que perdurou até os Jogos de Atlanta em 1996, não sobrepõe a mágoa cicatrizada do que poderia ter sido caso o apoio, o equipamento, o uniforme, o técnico tivessem acompanhado Aida ao Japão.

A marca de 1,74m, conquistada com o pé torcido, foi um dos grandes saltos que ela precisou dar para conquistar o respeito dentro e fora do esporte. Como para a grande maioria das pessoas negras, em especial as mulheres, a altura do sarrafo é proporcional a cobrança e a falta de oportunidades.

– Antes do atletismo, eu gostava de jogar vôlei. Mas naquela época negros não jogavam. Uma vez no ginásio do Caio Martins não tinha mais nenhum negro jogando, só eu. E eu ouvi da arquibancada alguém gritar: “Sai daí crioula, seu lugar é na cozinha”. Só que quando terminou o jogo eu peguei o microfone e falei que meu lugar era na cozinha, na sala, no quarto e numa quadra de esporte também.

Aida conquistou o quarto lugar nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964 (Foto: Imagem retirada do site ge)

Na cerimônia de abertura, realizada nessa sexta, coube a Ketleyn Quadros, juntamente com o levantador Bruninho a missão de levar a bandeira do Brasil. A judoca foi a primeira mulher a conquistar uma medalha para o Brasil em esportes individuais, o bronze em Pequim 2008. Ketleyn é a primeira mulher negra a ocupar esse posto de porta bandeira na delegação brasileira. Perguntada se teve alguma melhora no combate ao racismo quase seis décadas depois, Aida dos Santos é categórica:

– Melhorou, mas precisar melhorar muita coisa. Porque essa melhora é disfarçada. Eu sofri com racismo e sofro até hoje. Nós temos que brigar, lutar muito. Eu esperava que estivesse bem melhor. Lógico que tem alguma melhora, porque nós estamos enfrentando. Minha geração buscou enfrentar, vocês estão enfrentando de igual para igual. Está melhorando, mas ainda tem muito que melhorar.

Atualmente as pistas voltaram a dar lugar para a quadra na vida de Aida. Porém a atleta mais velha do time master do Botafogo, no auge dos seus 84 anos, promete apoiar todos os atletas do Time Brasil:

Aos 84 anos, Aida faz parte do time máster do Botafogo (Foto: Arquivo pessoal)

– Eu estou torcendo para o Brasil no geral. Brasileira que sou não tinha como ser diferente. Que tenham perseverança, garra e que tragam bastante medalhas para o Brasil.

Que nossos atletas possam fazer história, assim como fez essa lenda viva do esporte brasileiro.

Salve Aida dos Santos!

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