‘O pior analfabeto é o analfabeto político’: a atualidade de Bertold Brecht

Bertold Brecht é nosso convidado em mais uma etapa da série Conversas com Escritores Mortos.

Bertolt Brecht foi um poeta, dramaturgo e diretor de teatro alemão, conhecido principalmente pela Ópera dos Três Vinténs. A obra foi adaptada para o cinema três vezes. A música “Mack the Knife”, vinda do musical, é um clássico do jazz, e foi gravada por artistas como Frank Sinatra, Louis Armstrong, Bobby Darin, Ella Fitzgerald, Robbie Williams e Michael Buble. Brecht, um socialista fervoroso, é nosso convidado para mais uma “Conversa com Escritores Mortos”. 

Herr Brecht, o senhor foi um entusiasta das ideias marxistas e sempre se manteve muito ligado com a política, não é mesmo?

Eu sempre fui politizado, pois acredito que apenas quando somos instruídos pela realidade podemos mudá-la. Devo acrescentar que, para mim, o pior analfabeto é o analfabeto político.

Mesmo? Por quê?

Ele não ouve, não fala, nem participa de eventos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do peixe e da farinha, do aluguel, dos sapatos e da medicina, tudo depende de decisões políticas. O analfabeto político é tão estúpido que é com orgulho que afirma odiar política. O imbecil não imagina que é da ignorância política que nascem as prostitutas, as crianças abandonadas, os piores ladrões de todos, os péssimos políticos, corruptos e lacaios de empresas nacionais e multinacionais.

Quando o ouço falar de prostitutas e ladrões, não posso deixar de me lembrar de sua vasta obra teatral. Sua colaboração musical mais famosa foi Die Dreigroschenoper, a Ópera dos Três Vinténs, uma adaptação de Ópera dos Mendigos de John Gay. Na Ópera dos Três Vinténs, temos como protagonista Macheath, ou Mack the Knife, um anti herói com códigos morais bem questionáveis. Não quero ser indiscreta, mas gostaria de saber se o senhor simpatiza com seu personagem.

Mack, como você disse, é um anti herói. É um personagem complexo e levemente sádico, além de ser um assassino. Mas, se você quer saber a verdade, parafraseio meu próprio personagem, o célebre Macheath: “Não sei o que é pior: Roubar um banco ou fundá-lo.”

Essa é uma verdade incontestável.

Talvez sim, talvez não. Tenho para mim que a única verdade realmente incontestável e imutável é que a vida é uma vadia e então você morre.

Uma verdade levemente pessimista.

Mas, ainda assim, verdade! A maior parte das pessoas teme a morte, e eu lhes diria uma única coisa: temam menos a morte do que a vida insuficiente.

Na Ópera dos Três Vinténs o senhor passou, muito habilmente, uma mensagem de apelo social e de crítica contra o capitalismo, ambos mesclados com uma comédia muito divertida. Mas o que você realmente quis dizer com a história de Mack the Knife?

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama de violentas as margens que o comprimem.

Que margens são essas?

Posso destacar uma: a justiça. A justiça é simples e solenemente feita para a exploração daqueles que não a compreendem ou daqueles que, presos em uma situação miserável, são impedidos de obedecê-la.

Entendo.

E os tribunais são lamentáveis – verdadeiras piadas! Muitos juízes são absolutamente incorruptíveis; ninguém consegue obrigá-los a fazer justiça.

E qual atitude o senhor considera que deve ser tomada para acabar com a desigualdade social?

Alimentar os pobres. Para quem está em uma boa posição social, falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram.

Hmmm…

Esses senhores pensam que tem a missão de purificar os pobres dos sete pecados. Mas antes deveriam alimentá-los, e então começar a pregação – caso contrário, que proclamem sua bela filosofia, mas esperem pelo pior. Todos aqueles que se limitam a rezar deveriam perceber, de uma vez por todas, que o mundo continua girando. Não importa o quanto tentem disfarçar ou quais são as mentiras que contam, primeiro vem a comida e depois a moral.

Herr Brecht: alguma declaração final?

Desconfie do mais trivial, na aparência singelo. E examine, sobretudo, o que parece habitual. Suplico expressamente: não aceite o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar. Há homens que lutam um dia, e são bons; há homens que lutam por um ano, e são melhores; há homens que lutam por vários anos, e são muito bons; há outros que lutam durante toda a vida, esses são imprescindíveis.”

Fonte:DCM

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