Após uma pequena esperança por parte da base de apoio do governo Dilma de que as denúncias contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, iriam arrefecer o ímpeto golpista de parte da oposição, a movimentação das últimas semanas mostrou que esta articulação política é muito mais forte do que parece. As denúncias contra Eduardo Cunha perderam força na mídia hegemônica, a tática do presidente da Câmara de criar um clima mais hostil contra a presidenta acabou ganhando mais repercussão que as denúncias que o envolviam e, assim, ele conseguiu o intento de deslocar os holofotes novamente para o Executivo.
Por Dennis de Oliveira do Quilombo
A tática do governo Dilma favorece esta situação. A ideia: é possível “administrar estes tempos turbulentos”, confiando que o ajuste fiscal irá resolver os problemas econômicos para posteriormente se retomar o crescimento e aí, por tabela, a popularidade. O fato: o ajuste fiscal está desaquecendo a economia, a arrecadação de impostos vai caindo, o governo desloca sua política econômica para um viés mais conservador ainda e perde sua base tradicional nos movimentos sociais. A sensação: a espetacularização midiática da operação “Lava Jato” gera uma sensação de que tudo está muito ruim, aumenta-se o desencanto com a política-partidária, a popularidade de todos os governantes despenca, em especial da presidenta da República cujo partido é o principal alvo das denúncias (embora a Lava Jato inclua políticos de vários partidos, inclusive da oposição). A solução que ganha corpo: diante de um clima de caos criado, ganha corpo soluções rápidas e aparentemente moralizadoras, de caráter punitivo: impeachment, prisões de políticos, golpes, etc.
Esta é a direção dos fatos que está sendo construída na opinião pública. E nisto, os 71% de rejeição à presidenta Dilma tem a ver, por exemplo, com os 90% de apoio a redução da maioridade penal. Loucura? Delírio? Não. E nem tampouco está se dizendo que quem rejeita a presidenta Dilma é também a favor da redução da maioridade penal, ou vice-versa. Mas que um clima de caos criado, de desordem, de bandalheira geral, de denuncismo como prática central nos discursos espetacularizados da mídia, gera um desejo de “ordem”, de “ações moralizantes” e, principalmente, em uma visão de que a sociedade se divide entre “bons” e “maus”. E que os maus devem ser punidos ou extirpados do mundo…
Este clima de acirramento contribui também para que outras intolerâncias se sintam a vontade para se expressarem, como a homofobia, o racismo, o ódio a pobres e nordestinos, a xenofobia contra imigrantes haitianos. O que tem crescido nesta crise não são as organizações de oposição institucionalizadas, como os liberais do PSDB, por exemplo, mas principalmente a extrema-direita, ainda que difusa. Assim, explode todo o ódio acumulado por parcela das elites e das classes médias que tiveram que dividir determinados espaços – como o ensino superior, os aeroportos, os shoppings centers, entre outros – com pessoas das classes proletárias. E aí, vale tudo, desde ofender a presidenta da República de forma machista (expressando o incômodo de uma mulher ocupar o mais alto cargo da República), o ex-presidente Lula na perspectiva classista (principalmente o ódio de um ex-operário ter ascendido socialmente), agredir imigrantes hatianos, pichar banheiros de universidades com frases racistas, etc.
O que vai sair disto é difícil prever. O que fica nítido é que cada vez mais são limitadas as possibilidades de se continuar a pensar em saídas de conciliação de classes. O caráter pretensamente tolerante, pacífico, democrático da sociedade brasileira funciona até o momento em que determinados privilégios são atingidos. Achar que ocupar o governo e, de cima, ser possível mudar isto é pura ilusão. Até porque, o pensamento clássico marxista já alertava para a diferença entre “poder social” e “governo”. E os acontecimentos recentes demonstram que o poder não está nas mãos de quem está no governo.