O problema de pedir para as mulheres dizerem ‘eu também’

Os homens é que deveriam ser pressionados a acabar com o comportamento predatório

 

Por Angelina Chapin Do Huffpost Brasil

Desde domingo à noite, as timelines do Facebook estão cheias de posts de mulheres dizendo “eu também”, numa tentativa de provar como o assédio e os ataques sexuais são recorrentes em nossa cultura.

“Começo com o cara na estrada que se masturbou e mandou beijos para o time de tênis da escola quando estávamos voltando para casa depois de um jogo?”, escreveu uma amiga? “O homem que, quando eu estava numa balada com minhas amigas, me olhou nos olhos, passou a mão em mim e me agarrou pela buceta”, escreveu outra. O efeito é uma torrente de ações predatórias que dizem para as mulheres o que elas já sabem: os caras acham que nossos corpos são descartáveis.

O “Eu também” viralizou no último domingo, quando a atriz Alyssa Milano tuitou que vítimas de assédio e ataques sexuais deveriam usar a frase para relatar suas histórias.

A campanha nas redes sociais, claro, tem a intenção de ser um alerta para os homens. Se toda mulher que você conhece já foi assediada ou atacada, então todo homem que você conhece provavelmente fez alguma mulher se sentir insegura. Mas, embora postar “Eu também” no Facebook possa ser catártico para mulheres que buscam conforto na esteira de outra notícia envolvendo um predador poderoso, isso pouco vai mudar o comportamento dos homens que leva a esse tipo de acusação.

Os homens não precisam entender que toda mulher foi sexualmente violada ou humilhada. Eles precisam reconhecer algo muito mais básico: que as mulheres são as vítimas dessas histórias.

As mulheres podem transformar a internet inteira em uma lista de “Eu também”, mas não vai fazer diferença até que os homens – todos eles – reconheçam como perpetuam a misoginia e se comprometam com mudanças.

Os homens têm um longo histórico de silenciar ou ignorar as mulheres que se manifestam sobre violência sexual. Culpar as vítimas é algo que acontece o tempo todo nas nossas instituições mais poderosas. Há a polícia, que descarta um grande número de acusações de estupro antes de investigá-las, e os juízes que absolvem supostos agressores porque uma mulher deveria “ficar de pernas fechadas” ou porque até mesmouma mulher bêbada “pode consentir”.

No caso recente de estupro na Universidade Stanford, Brock Turner foi condenado a somente seis meses de prisão – que depois foram reduzidos para três meses –, porque uma sentença mais longa teria tido um “impacto severo” em sua vida, como se o bem estar dele fosse a principal preocupação. A mensagem que as mulheres recebem o tempo todo é: aguentem esse tipo de experiência traumática, porque a culpa é de vocês. Se quisermos que os homens respeitem nossos corpos, precisamos mudar.

Raramente pedem que os caras mudem seus comportamentos predatórios. Conversas sobre assédio e ataques sexuais são sempre enquadradas como “questão das mulheres”. Publicações destinadas ao público masculino estão cheias de dicas de como escolher o melhor uísque ou fazer o melhor churrasco, mas raramente lidam com misoginia, ataques sexuais ou como confrontar um amigo sexista. Estudos tratam do número de mulheres atacadas, não o número de homens que cometeram atos de violência sexual.

O resultado é uma cultura em que os homens acham que não têm responsabilidade de mudar suas atitudes sexistas e seus comportamentos ilícitos. Os caras ficam só olhando, enquanto seus amigos fazem comentários degradantes sobre as mulheres e não fazem nada quando as piadas viram casos reais de agressões sexuais.

Quando acusações de ataques sexuais viram manchete, os homens não conversam entre si sobre como ajudar a consertar o problema. São as mulheres que têm de falar entre si e publicamente, começando hashtags (#MyHarveyWeinstein, escrevendo posts no Facebook e fazendo listas de incontáveis histórias de terror, numa tentativa de despertar algum tipo de iniciativa nos homens. Não é suficiente passar a vida sendo constantemente assediadas e violadas pelos homens; também temos de explicar para eles por que o comportamento deles é problemático e, muitas vezes, criminoso.

As mulheres podem transformar a internet inteira em uma lista de “Eu também”, mas não vai fazer diferença até que os homens – todos eles – reconheçam como perpetuam a misoginia e se comprometam com mudanças. Os homens precisam reconhecer que não denunciar a “conversa de vestiário” é facilitar ataques sexuais. Precisamos de mais organizações e publicações que se concentrem em uma masculinidade progressista, não em ideias datadas e estereótipos perigosos de “macheza”. Precisamos de homens começando campanhas “Eu também” no Facebook, que listem as vezes em que eles se pegaram sendo sexistas e mostrem que eles estão dispostos a mudar essa atitude no futuro.

Há sinais de esperança. Ontem à noite, uma amiga pediu que os homens listassem no Facebook “algo tangível que você vai fazer para acabar com a cultura do estupro”. Os 54 comentários incluíam: “Vou me manifestar em lugares [nos quais] tenho privilégio e poder” e “Ouvir em vez de ficar na defensiva”. Outros homens estão postando “Acredito em você”, em resposta à campanha “Eu também”. São passos na direção certa.

Se o “eu também” faz você se sentir empoderada, por favor, digite essas palavras. Mas também é importante reconhecer as limitações da campanha. Nenhuma mulher deveria se sentir pressionada a contar histórias dolorosas sobre violações, mas todo homem deveria sentir a responsabilidade de parar com o comportamento que leva ao assédio e aos ataques sexuais.

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