O que Canadá e África do Sul ensinam sobre a formação de gestores escolares

Você já conversou com a diretora ou diretor da escola pública do seu bairro? Perguntou qual foi o seu caminho para chegar aonde está? A trajetória dessas pessoas e a sua formação podem ser importantes para o sucesso ou fracasso de uma escola. Mas como o Brasil pode formar melhores gestores escolares?

Um relatório do instituto Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e) em parceria com o Instituto Unibanco detalhou políticas de formação para diretores de escolas a partir da análise de casos do Canadá e da África do Sul.

A ideia da pesquisa, lançada no ano passado, surgiu após serem identificadas lacunas na formação dos diretores brasileiros. No Brasil, apenas um a cada três desses profissionais disseram ter passado por um curso de formação continuada em gestão escolar que tenha carga horária de no mínimo 80 horas. Além disso, boa parte dos cursos de licenciatura, que são a principal porta de entrada para a carreira docente no país, não oferecem disciplinas voltadas à prática da administração de uma escola.

O Canadá e a África do Sul foram escolhidos para a análise por serem frequentemente apontados por especialistas como referência no assunto e por terem desenvolvido políticas aplicáveis ao contexto brasileiro.

“Fizemos a pesquisa para entender em quais políticas de formação de diretores as redes públicas brasileiras podem se inspirar, mas a ideia não é criar uma receita pronta, e sim apresentar as boas práticas de outros países como sugestões”, explica Lara Simielli, uma das coordenadoras da pesquisa.

“Acredito que o sistema sul-africano seja mais próximo do Brasil, já que lá a ideia é ter um sistema de formação público e aberto para todos os professores”, afirma ela.

Exemplos da África do Sul

Quando a África do Sul saiu do regime do apartheid, se deparou com a necessidade de transformar quatro departamentos da educação – cada um voltado a pessoas de diferentes raças – em um só. A educação separada era um dos pilares do sistema de segregação racial.

“Eles passaram a olhar para a diversidade de uma maneira mais especial, e quiseram garantir que essa fosse uma das principais agendas presentes na política de formação de diretores”, define a pesquisadora.

Além disso, o país apostou num programa de mentorias em que diretores mais antigos trocavam experiências com profissionais que haviam acabado de ingressar na gestão escolar. O objetivo era garantir que os novos profissionais estivessem familiarizados com a administração de uma escola na prática.

Mas nem tudo funcionou tão bem nesse processo. “Houve alguns problemas com a mentoria, como a baixa quantidade de mentores em relação ao número de novos diretores. Um mentor chegava a ser responsável por até 80 diretores e algumas das mentorias foram feitas por telefone”, lamenta Lara.

Há uma batalha também para que os cursos de formação para os diretores sejam gratuitos, de modo a garantir que todos aqueles que queiram possam adentrar na carreira. Segundo Lara, os professores estão batalhando para que a gratuitidade seja incluída na reformulação do programa, mas o Ministério da Educação do país se depara com a falta de verbas para efetivar a mudança.

No Brasil, uma política de formação para diretores foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, mas o documento ainda encontra dificuldades para ser implementado. Uma das barreiras é a falta de disciplinas relacionadas à gestão escolar nas faculdades de licenciatura – problema que, segundo dados do relatório, 82% dos 58 cursos analisados enfrentam. Isso acontece apesar de a diretriz do Ministério da Educação afirmar que os cursos não devem se restringir à docência, mas também abordar a gestão dos processos educativos e pedagógicos.

Como é no Canadá

No Canadá, segundo o estudo, a aposta é numa parceria entre as faculdades e as redes de ensino. “Os cursos de formação de diretores são pagos, mas é algo que compensa quando a gente observa o salário dos profissionais de educação naquele país”, acredita Lara.

Outra característica canadense é que há um tempo maior para a ambientação do gestor à rotina da escola. “Há um período de adaptação, e depois uma avaliação, que identifica se o profissional tem mesmo o perfil para ser diretor de uma escola”, explica a pesquisadora.

Além disso, fazer o curso não é garantia de que a pessoa será escolhida para ser diretora em alguma escola. E se mesmo depois de assumir o cargo o profissional não se sentir adaptado, ele pode retornar à sala de aula.

A pesquisadora acredita que uma das lições do relatório é que não se pode prescindir de uma formação específica para os gestores. “Ter sido professor é fundamental, mas não deve ser o único fator a ser considerado – é preciso uma formação complementar”, declara.

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