‘O racismo vem nos momentos em que a gente está mais vulnerável’, diz Daiane dos Santos, que almeja ser dirigente

FONTEO Globo, por Rafael Oliveira
Daiane dos Santos em visita ao projeto Brasileirinhos, em São Paulo Foto: Luan Flávio/Divulgação

Muito antes do noticiário esportivo mostrar interesse na luta antirracista entre os atletas, como ocorre atualmente, Daiane dos Santos já usava sua voz para expor a discriminação. No começo da carreira, ela teve que lidar com mães que não permitiam que suas filhas se aproximassem dela — o que incluía não poder sequer frequentarem o vestiário ao mesmo tempo. Agora, a primeira brasileira, entre homens e mulheres, a conquistar uma medalha de ouro no Mundial de Ginástica busca mais do que denunciar o preconceito: quer mudar as bases nas quais ele está estabelecido.

A confiança no sucesso em uma luta tão árdua é a mesma de quem, há mais de duas décadas, não se intimidou por ser uma das únicas negras na seleção brasileira. Hoje, ao ver que este cenário se inverteu, a nove vezes medalhista de ouro em etapas de Copa do Mundo se enche de orgulho e, claro, de esperança.

— Hoje as ginastas negras são mais de 60% da seleção. Esse crescimento é visto através de representatividade. E ela muitas vezes vai vir com uma historia de superação muito forte. Porque o racismo vem nos momentos em que a gente está mais vulnerável. Mas é importante que nos mantenhamos firmes, porque acreditamos no que estamos fazendo — diz.

Aos 37 anos, Daiane se aposentou da ginástica, mas segue próxima do esporte. Além de compartilhar sua vivência através de palestras e ser comentarista no Sportv, ela atua como gestora, o que lhe dá a oportunidade de fazer sua parte no combate à distribuição desigual de oportunidades. Ela está à frente do projeto Brasileirinhos, que leva a modalidade para crianças de Paraisópolis, na periferia de São Paulo. O próximo passo, ela admite, pode ser como dirigente.

— Tenho esse desejo, sim. Estou me preparando, buscando uma forma de poder colaborar. Não só para o esporte, mas para a sociedade. Afinal, o preconceito não está embutido apenas no esporte — diz Daiane, que vem se preparando:

— Acho que para questões como essa, você tem que estar bem preparado. Estou sempre em busca de como posso colaborar com o meio onde vivo. Desde entender o que faço por mim e o que posso fazer pelo outro. Esse desejo não é só meu. É de muitas pessoas não brancas que querem ter essa oportunidade, mas ela não é distribuída de forma igualitária para todos.

Combate ao racismo

No mês passado, a ginástica voltou a ser notícia por causa de racismo. O “Esporte Espetacular”, da TV Globo, revelou que Ângelo Assumpção não só foi alvo como perdeu o emprego após denunciar as injúrias praticadas contra ele dentro do Pinheiros. O ginasta está até hoje sem um novo clube.

Para Daiane, que não quis comentar este caso, o combate ao preconceito precisa vir de fora, tendo em vista que ele não está na ginástica, ainda que dentro do ambiente esportivo, episódios como os sofridos por ela são, na verdade, uma manifestação de um problema social.

— Na minha entrada no esporte, as pessoas me perguntavam porque eu, com o meu corpo, com a minha potência, não preferia fazer atletismo. Até então, a ginástica não era vista como esporte para negros. Achavam que era para determinada etnia. Está na gente não acreditar nisso. E vai da gente trabalhar para mudar isso. Não vai ser fácil, mas é possível.

— Mudar isso não depende só de mim, Daiane, enquanto mulher preta. Depende de muitas pessoas, inclusive as não pretas, entenderem as causas e fazerem algo.

 

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