O rolezinho de um homem só numa academia – por Marcos Sacramento

No intervalo de um mês, ganhei e perdi um amigo na academia onde malho. Fabiano, vou chamá-lo assim, era o auxiliar de serviços gerais. Magro, curvado, pouco mais de 1,60 metro, logo se mostrou diferente do Fabiano de Vidas Secas. Chegado numa conversa, superou a invisibilidade que paira sob os profissionais de limpeza.

Fizemos amizade. No começo falávamos basicamente de futebol. Um dia, ao me ver lendo na bicicleta ergométrica, falou do seu gosto pela leitura. Gosta de “Violetas na Janela”, que já leu mais de quatro vezes.

Não era extrovertido só comigo. Com pouco mais de duas semanas de trabalho, Fabiano já era íntimo dos malhadores. Um dia veio me contar dos brinquedos que uma moça levou para a filha dele. Outra vez o flagrei recebendo dicas de nutrição de um marombeiro.

O expediente, para Fabiano, era como dar um rolezinho na academia badalada do bairro de classe-média. Circulava e sorria em meio aos desfiles de tênis caros, como os garotos da periferia que expuseram as contradições raciais e sociais do país em seus passeios em shopping centers.

Como essa garotada, ele não estava interessado em bagunçar ou constranger. Só queria fazer seu trabalho e pertencer ao local. Queria curtir.

Cheio de discrição e rodeios, revelou que segue a umbanda. Depois disso, passamos a conversar bastante sobre o assunto. As palestras curtas tornaram-se contos com começo, meio, e fim que logo viraram minisséries. Ele estava para iniciar uma novela quando uma professora implicante jogou umas indiretas em relação à dedicação dele no oficio de prosear com alunos. Falei para Fabiano ficar esperto. Otimista, respondeu que ela só estava brincando.

Dias depois percebi Fabiano mais calado. Nem um traço do baixinho cheio de filosofias do senso comum que um dia apontou para uma garota de cara fechada e garantiu que iria ficar amigo dela.

Não teve tempo. Mandaram Fabiano limpar em outro canto. Sem saber, o rapazinho mirrado e de rosto sofrido estava agindo como um subversivo. Foi contratado para limpar, arrumar e ficar invisível. A última tarefa não está escrita no contrato, mas é assim em qualquer lugar onde alguém seja pago para limpar a bagunça dos outros.

Ao conquistar amizades enquanto limpava colchonetes com álcool gel, pisou no preconceito e ganhou visibilidade em um lugar onde só as meninas esculturais vestindo roupas e tênis coloridos ou os rapazes com bíceps esculpidos a agulhadas de anabolizantes podem chamar a atenção.

Entrou em cena como figurante e foi ganhando destaque na trama. Incomodou a ordem social estabelecida e foi defenestrado da história, como aqueles personagens de novela das oito que somem de uma hora para outra por não agradar a audiência.

 

 

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Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

Fonte: DCM

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