Ocupação na faculdade não é a mesma coisa

Ex-secundaristas de estaduais ocupadas se desencantam com ocupações da USP

Por Tiago Aguiar Do Jornal do Campus

Os estudantes de ensino médio – ou secundaristas – das escolas públicas de São Paulo iniciaram um dos maiores movimentos “autônomos” (horizontais e apartidários) dos últimos anos no Brasil. Ao mesmo tempo, durante esta greve da USP, acontece a maior soma de ocupações estudantis em determinadas faculdades em greve: na Letras, na História e Geografia, na ECA e na Veterinária (até o fechamento desta edição). O que une as duas?

O JC procurou estudantes do 1º ano da USP e que vieram de algumas das escolas mobilizadas. Há no campus todos os tipos: os que ainda são secundaristas e frequentam as ocupações da USP, os que como estudantes da USP foram frequentar sua antiga escola que se mobilizou este ano, os que são e eram praticamente alheios a ambas e os que inicialmente participaram muito e se decepcionaram com ambas. Nem todos quiseram falar. Mas entre todos os entrevistados, há uma unanimidade: não é o mesmo tipo de política. Há também, como ponto comum, uma certa decepção.

As críticas mais recorrentes foram sobre a falta de unidade nas próprias faculdades: “Ano passado todos estavam se formando politicamente juntos. Aqui, todo mundo já tem o seu grupo e só vota nas assembleias se for ajudá-lo” é o que conta Julia Kaori, ex-estudante da Etec Parque da Juventude, a única Etec ocupada ainda no ano passado. Julia agora cursa Saúde Pública.

Julia também contou que muitos secundaristas que já eram organizados nas ocupações só começaram a serem ouvidos nos coletivos após o que aconteceu no ano passado: “Ninguém ouve de verdade os secundaristas, nem nos movimentos que os apoiam”, afirma. Segundo ela ainda, na USP os ‘organizados’ priorizam os interesses de partidos e entidades, mas que o mesmo não acontecia com os organizados nas ocupações. E conclui: ‘Em todas as assembleias que eu fui eu ouvi: a gente tem que fazer como os secundaristas, ocupar tudo, o movimento deles era autônomo, horizontal… Mas acho que essa inspiração não está servindo pra muita coisa’.”

USP isolada

Flávia Lambiasi, estudante de Educomunicação, que participou este ano da ocupação da Etec Professor Basilides de Godoycomo ex-aluna e apoiadora, pondera que há diferenças nas circunstâncias entre as duas: “a USP é muito isolada geograficamente, o que dificulta tanto a participação da maioria, quanto o envolvimento da comunidade ao redor”.

Mas ao mesmo tempo não poupa críticas: “A unificação da luta da educação pública estadual é tema muito recorrente em todas as assembleias que participei das Etecs, mas na USP, há pouco interesse e disposição em fazê-lo. Eu não ouvi nada sobre unificar as pautas com os secundaristas nas assembleias que participei daqui [da ECA]. Cheguei a ouvir, ‘nós temos que nos espelhar sim no secundaristas, mas a nossa mobilização é muito diferente’.”

“Entre as universidades estaduais é até maior, mas eu não sinto que exista essa vontade de unificar o movimento pela educação. Aqui a gente coloca os secundaristas um pouco de lado”. Critica o partidarismo, característico do movimento estudantil da USP, como empecilho para a criação de um movimento semelhante: “nas rodas de apresentação em fóruns dos secundaristas eu só ouvi uma pessoa falando por qual partido ou coletivo militava. Aqui é o contrário”. Flavia diz que mesmo mais pessoas sendo “organizadas” entre os secundaristas, elas não faziam questão de falar.  E conclui: “Eu acho que a organização partidária mais atrapalha do que ajuda”.

DSC_0002-2-768x511Flávia apoiou as ocupações das Etecs e da USP, mas tem mais críticas à da ECA (Foto: Tiago Aguiar)

Negra e na universidade

Luiza Alves, também ex-aluna da Etec Parque da Juventude e graduanda de Educomunicação, é a primeira estudante de universidade pública da sua família. Durante as ocupações em sua escola ano passado esteve menos envolvida que os amigos porque estava muito preocupada com o vestibular. “Pra mim, pela minha posição enquanto mulher negra, estar na USP já era um ato político”, contou. Mesmo assim visitou ocupações e foi em reuniões do “Comando”, espaço de trocas entre as estaduais ocupadas.

Na USP, o movimento que mais se identificou foi o OPÁ NEGRA. Suas críticas ao movimento estudantil da USP partiram da experiência da organização da USPRETA, pelo coletivo. Segundo ela: “enquanto o coletivo negro organizou debates sobre cotas raciais e sobre a mulher negra, estudantes ‘mobilizados’ da ocupação da ECA nem prestigiaram o evento que aconteceu ali dentro. Antes já haviam marcado uma assembleia concorrendo com uma atividade nossa. Como eles podem depois revindicar cotas nessa ocupação com tamanha apropriação e silenciamento?”

Luiza enxerga as mobilizações de secundaristas como lutas muito menos elitizadas e conclui: “quando tem coisa de gente preta ninguem cola nessa universidade”.

Históricos

As ocupações nas escolas – inspiradas em movimento análogo no Chile – sucederam atos que exigiam a suspensão da reorganização escolar imposta pelo governo estadual no final do ano passado.

Este ano novamente, unidades – desta vez quase todas Etecs – de São Paulo foram ocupadas, incluindo a própria Assembleia Legislativa, além de sedes administrativas do Centro Paula Souza. O movimento também já teve influência no Rio de Janeiro, Goiás e, atualmente, é estimado que mais de 200 escolas estejam ocupadas no Mato Grosso, no Ceará e no Rio Grande do Sul.

Esse impacto é perceptível também na organização do movimento estudantil universitário. Na USP, não pelas ocupações em si: no campi de São Paulo, ocupações na reitoria são quase regra nas greves estudantis, houve tanto em 2013 e em 2011. São mais pela referência: são muito comuns as alusões aos secundaristas nos fóruns de cursos mobilizados, além da presença deles nas próprias ocupações.

Este ano, em parte pelas iniciativas de ocupações nas próprias faculdades, em parte pela dificuldade objetiva de ocupar o novo prédio da reitoria, não há ocupação central, mas sim locais com demandas específicas de cada.

*NOTA: Luiza pediu pessoalmente ao JC que deixasse claro que suas declarações são de caráter pessoal e não em nome de nenhum coletivo ou movimento negro que faça parte ou não.

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