Organizações fazem ato de repúdio a racismo denunciado contra a Casa dos Frios

Concentração começa às 15h na praça do Derby e segue em caminhada até a loja

Por: Tatiana Notaro e Thomaz Vieira, da Folha de Pernambuco

Pelo menos cinco organizações militantes das causas negras participarão do protesto marcado para esta segunda-feira (23), em repúdio ao caso de racismo sofrido pelo motorista Mário José Ferreira, 36 anos, na última sexta-feira (20), na unidade da Casa dos Frios localizada no bairro das Graças, Zona Norte do Recife.

A concentração começa às 15h na praça do Derby e segue em caminhada até a loja. “O número de denúncias de racismo que chega às autoridades é mínimo, mas todo negro tem um caso para contar”, disse o presidente da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Wellington Lima.

Na última sexta-feira, o estabelecimento acionou a polícia ao suspeitar que Mário, que entrou na loja para comprar bolos, estivesse armado. Nesta segunda (23), ele prestará queixa à polícia e vai acionar a justiça nas esferas cível e criminal.

Mário chegou à Casa dos Frios por volta das 20h30, a pedido do patrão, o advogado Gilberto Lima Júnior, para comprar bolos de rolo que seriam levados como souvenires em viagem. “Entrei na loja falando com doutor Gilberto ao telefone sobre a mercadoria. Voltei ao carro para pegar o dinheiro e ao chegar no caixa, vi que o dinheiro não seria suficiente, então avisei ao rapaz do caixa que voltaria ao carro e deixei R$ 600 com ele. Peguei mais R$ 100 e, quando voltei, vi que haviam fechado a loja, que os funcionários estavam aglomerados e o gerente, desesperado com o telefone na orelha. Nem com a minha carteira eu estava (que pudesse fazer volume na roupa), não tinha porque acharem que eu estava armado”, relata o motorista.

“O rapaz do caixa veio me devolver o dinheiro por uma brecha da porta, dizendo que não poderia concluir a venda porque o sistema tinha caído, mas eu já tinha visto a viatura da polícia passando devagar por ali e percebi que era comigo. Cheguei a dizer que sou pai de família e que eles iam se prejudicar, mas não adiantou”, continua Mário. Chegaram três viaturas, uma delas do Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati), a revista foi feita e nada foi encontrado.

Ainda segundo Mário, a polícia não cometeu excessos. “Não me xingaram nem me bateram, mas a praça estava cheia, tinha gente de tudo que era lado”. “Solicitamos as imagens das câmeras de segurança da loja, mas o gerente da loja, Otávio Toscano, disse que não estavam funcionando. De toda forma, solicitaremos as das câmeras da Secretaria de Defesa Social (SDS). Os policiais também podem servir como testemunhas, assim como a repercussão nas redes sociais”, comentou a advogada do motorista, Maria Eduarda Andrade.

A reportagem conversou com a gerente da Casa dos Frios, Mirella Dias, sobre o ocorrido. “O cliente entrou, buscou algumas coisas, rodou pela loja. Quando ele se abaixou, uma das funcionárias acreditou ter visto uma arma e informou ao gerente”, explicou.

Antes da saída de Mário, a loja já havia iniciado o protocolo de segurança, que é chamar a patrulha do bairro. “Fomos orientados a chamar o 190. Quando o cliente saiu pela terceira vez pra buscar dinheiro, fizemos o segundo passo do protocolo que foi fechar a loja e aguardar a polícia chegar. Quando a polícia chegou para averiguar uma suspeita de assalto iminente, fez as averiguações. A arma não foi encontrada, ele foi liberado. Entendo que ele sofreu constrangimento, mas é uma averiguação policial, todo mundo está sujeito a isso. Estávamos zelando pela proteção das nossas dependências, nossos clientes e funcionários. Em nenhum momento nos dirigimos a ele como ‘negro’, temos repúdio a racismo. Temos diversos funcionários negros, inclusive operando o nosso caixa. Se tivéssemos preconceito, não deixaríamos”, finalizou.

Para Gilberto Lima, “a loja vai dizer qualquer coisa para tentar justificar o injustificável”. “Os argumentos da empresa não se sustentam: qual o problema de entrar e sair da loja três vezes? Se fosse e a entrar e sair da loja e chegasse ao caixa e deixasse R$ 600 e dissesse que que iria pegar mais dinheiro no carro eles acionariam o tal ‘protocolo’? Duvido! Ao contrário, era mais fácil que eles mandassem o segurança da loja me acompanhando até o carro”, disse.

“Para mim é tudo muito óbvio desde o início: só agiram assim por Mário ser negro e estar em trajes informais. Nenhuma vez em que ele foi fardado teve problemas”. Mário confirmou as idas frequentes à Casa dos Frios. “Toda vida eu entrei naquela loja fardado, nunca tive problemas. Meu sentimento é de revolta. Por ser negro, tenho que cortar meu cabelo ‘como branco’, tenho que andar todo ‘no linho’ para não levantar suspeitas. Um dos policiais me disse que o gerente havia oferecido as mercadorias e dinheiro para que eu deixasse isso pra lá, mas não vou. Agora eu vou até o fim”.

Procedimento
Segundo o advogado Rafael Araújo, ouvido pela reportagem, o procedimento será um inquérito policial a partir do Boletim de Ocorrência formalizado por Mário, seguido pelo inquérito, quando ele será ouvido, como vítima, e de funcionários e gerentes da Casa dos Frios, inclusive a funcionária que afirma tê-lo visto armado.

“O delegado poderá requisitar as fitas de segurança da loja, da SDS e outros estabelecimentos próximos. Após a conclusão, é feito um relatório sobre se entende que houve algum crime, tal como o de racismo, enviando pro Ministério Público, que pode concordar e denunciar a funcionária e/ou gerentes, pessoas físicas”, explicou.

O artigo 5º da Lei 7.716/89 fala sobre impedir a entrada de alguém em estabelecimento comercial em razão de discriminação racial, com pena de um a três anos. “Caso o juiz receba a denúncia, deverá haver uma suspensão condicional do processo. Caso os denunciados aceitem, ou dão seguimento e são absolvidos ou condenados. Caso condenados, a pena é alternativa, não é prisão”.

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