Os desafios para implementar história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas

Pesquisa aponta dificuldade de recursos didáticos e financeiros e necessidade de qualificação dos professores para trabalhar o tema

Por Tatiane Cosentino Rodrigues e Ivanilda Amado Cardoso Do Nova Escola

Foto: Rawpixel/Unsplash

No período que marca os 15 anos da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pelas Leis n. 10.639/2003 e 11.645/2008 vemos o crescimento de muitas ações focadas na implementação do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas, em todos os níveis de ensino. Toda essa mudança política e normativa rompe definitivamente com a expectativa de parte da população brasileira de que este debate nunca alcançaria a esfera pública e se transformaria em política de Estado. No entanto, embora essas mudanças e iniciativas sejam importantes, chamamos a atenção para a necessidade de acompanhamento e discussão permanente sobre os entraves do processo de implementação, que tem se mostrado ainda bastante inicial.

Nosso grupo de pesquisa na UFSCar tem trabalhado diretamente nos processos de formação continuada, no desenvolvimento de materiais pedagógicos e de pesquisas acadêmicas sobre a implementação da temática afro-brasileira e africana nas escolas.  Para este início de conversa vamos nos concentrar nos principais resultados, limites e desafios do processo de implementação das metas definidas nos documentos normativos que orientam esta temática.

A pesquisa apoiada e financiada pelo Ministério da Educação (MEC) e pela UNESCO intitulada “Práticas pedagógicas de trabalhos com relações étnico-raciais na escola”, publicada em 2012, com abrangência nacional, apontou que a desinformação ou desconhecimento da alteração da LDB e dos documentos que a orientam ainda é um dos principais obstáculos para a aplicação da temática.

A falta de recursos didáticos foi o segundo indicador de dificuldade. Em relação a esta questão, ressaltou-se a falta de publicações no MEC com propostas pedagógicas e de instrumentos práticos para a aplicação em sala de aula.

Já do ponto de vista da gestão, a falta de recursos financeiros foi o terceiro indicador de dificuldade no processo de implementação, pois poucas Secretarias de Educação indicaram o recebimento de recursos financeiros específicos para formação neste tema.

A pesquisa aponta ainda que o surgimento de projetos ligados à história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, na maioria dos casos, teve início com iniciativas individuais, geralmente de professores que passaram por algum processo de formação sobre a temática, que tiveram experiência de militância no movimento negro ou por professoras/es negros. A aprovação da lei, ainda que cercada de muita falta de informação sobre os documentos que regulamentam a alteração da LDB, favoreceu o envolvimento crescente de coletivos de professores nas práticas pedagógicas voltadas para o assunto nas escolas acompanhadas (GOMES, 2012, p. 345).

Até então, as datas comemorativas, especialmente o 20 de novembro, eram o principal recurso de mobilização para a construção de projetos interdisciplinares.

No que diz respeito ao enraizamento das práticas, notou-se que a inclusão do tema no projeto político-pedagógico da escola, bem como o envolvimento de grupos culturais da comunidade, fortalecem de forma significativa a implementação.

Contradições

Grupos focais realizados nas escolas acompanhadas, no entanto, identificaram fortes contradições entre o objetivo inicial do projeto e a percepção dos estudantes sobre o assunto. De acordo com a equipe de pesquisa, isso se deve ao fato que de que os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nas escolas estão muito voltados para a formação ética, para o “não discriminar”, o que indicaria, segundo os pesquisadores, “a necessidade de avançar no debate conceitual sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira” (GOMES, 2012, p. 354).

Ultrapassar a perspectiva da ética para trazer um enfoque conceitual possibilitaria aos estudantes compreenderem a relação histórica entre o continente africano e o brasileiro no passado e no presente, assim como do continente africano com o mundo. Isso é uma chave interpretativa importante de nossa constituição como sociedade, além de fornecer elementos importantes para a construção e interpretação do próprio pertencimento do aluno e de sua identidade étnico-racial.

O foco nessa dimensão “ética” nas escolas sugere, ainda segundo a equipe de pesquisadores, a necessidade de que os professores se qualifiquem para trabalhar o tema nos objetivos de seu planejamento pedagógico, bem como em atividades extracurriculares da escola.

A formação inicial e continuada de professores na perspectiva da diversidade étnico-racial foi indicada nos diversos depoimentos como um dos principais elementos para uma mudança de práticas e posturas racistas. Para a equipe de pesquisadores, tal fato indica a necessidade de que a formação em serviço seja seriamente rediscutida, isto é, o direito de profissionais da educação à sua formação e qualificação em seu próprio local de trabalho (GOMES, 2012, p. 355-356).

A educação das relações raciais tem o potencial de qualificar a educação brasileira. Não se trata de apenas de cumprir uma normativa: ensinar história e cultura africana e afro-brasileira é situar o Continente Africano na escala mundial, fato que culminou na definição em 2015, pela ONU, da Década Internacional dos Afrodescendentes, com término previsto para 31 de dezembro de 2024. Esta indicação coloca em relevo que, apesar dos esforços empreendidos pelos Estados-membros, milhões de seres humanos seguem sendo vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e de várias formas de intolerância. E isso precisa acabar.

 

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