Os perigos da soberba

Por Mauro Santayana

Se o homem é a sua circunstância, a circunstância de José Serra é São Paulo. É conhecido o orgulho do grande estado, com desenvolvimento econômico que supera o de numerosos países europeus, sua cultura cosmopolita, e a oportunidade de realização pessoal de muitos dos que procuram ali a sua sorte. Todas essas qualidades do povo de São Paulo distanciam o estado do resto do país. Talvez por isso mesmo, as suas elites, ressalvadas as exceções, não saibam exatamente o que é o Brasil. Para isso, teriam que aceitá-lo. Da Avenida Paulista se vê melhor a City e a Place de la Bourse; seus telefones chamam mais Hong Kong e Shangai do que Aracaju e São Gabriel da Cachoeira. É provável que não seja exatamente assim, mas muitos paulistas dão ao resto do Brasil a impressão de que se sentem incomodados com a companhia dos demais estados.

Ainda agora estamos assistindo a uma dolorosa e inusitada campanha racista na internet, a partir de São Paulo, contra os nordestinos, a propósito da grande vitória de Dilma na região, embora os resultados eleitorais demonstrem que ela teria sido vitoriosa, mesmo que as eleições só ocorressem fora do Nordeste. A campanha ressuscita os fantasmas de 32, ao pregar, criminosamente, o separatismo. Esqueçamos, a fim de não turbar o raciocínio, a verdade de que São Paulo não se fez só: a inteligência, o trabalho e mesmo o capital dos demais brasileiros e dos imigrantes europeus ajudaram a erguer a sua economia.

Como a circunstância de José Serra é a que apontamos, temos a explicação para o desastrado pronunciamento que fez, diante da derrota. Faltou-lhe, naquele momento, a elegância que se espera dos grandes homens. Ele desdenhou o esforço feito – e reconhecido em todo o país – por Aécio, simplesmente ignorando-o. Agora, os mineiros se sentem outra vez afrontados.

Como Jânio, Serra falou em “forças terríveis”, anunciou, com suas metáforas, que continua candidato, falou em trincheiras, afirmou que o povo “não quis que fosse agora” e despediu-se com um “até breve”.

Alguns estão atribuindo a Aécio a derrota de Serra, embora o ex-governador de Minas tenha constrangido grande parte dos mineiros, ao solicitar votos a favor de quem os desdenhara, ao recusar a disputa democrática com Aécio junto às bases do PSDB. Aécio pode ter perdoado a Serra a aleivosia, mas os mineiros, não. E não se esqueça que Dilma nasceu em Belo Horizonte.

Espera-se que, passados os dias mais amargos do malogro eleitoral, José Serra recobrará a serenidade e entenderá que a sua biografia pode encerrar-se, sem nenhum desdouro, mesmo que não chegue à Presidência. Ele prestou assinalados serviços ao país, como líder estudantil, parlamentar e ministro da Saúde, e particularmente a São Paulo, como prefeito e governador, não obstante sua cumplicidade nas privatizações e na abertura do mercado financeiro. Para que volte a candidatar-se, é preciso que se dedique a conhecer realmente o Brasil. Conhecer não é visitar uma cidade ou outra, por algumas horas. É aceitar sua humanidade, ler os seus escritores, assimilar a fantástica sabedoria do povo, enfim, participar de seus sonhos, solidarizar-se e comover-se com seus sofrimentos – enfim, integrar-se em sua realidade.

É injusto reduzir o problema federativo brasileiro a um conflito entre Minas e São Paulo. Se São Paulo se orgulha em destacar-se do Brasil pela sua pujança econômica, Minas integra o todo brasileiro com alegria e sem qualquer constrangimento. Minas é o centro-oeste na margem esquerda do São Francisco; é o Nordeste nas duas margens do Jequitinhonha e na fronteira setentrional com a Bahia; é quase atlântica na Zona da Mata e no baixo Rio Doce. O conflito é entre a parcela mais soberba das elites paulistas e o resto do país.

Fonte: Jornal do Brasil

+ sobre o tema

12 milhões de crianças e jovens não têm acesso adequado a esgoto no Brasil

Aproveitando a aproximação do Dia das Crianças, comemorado no sábado...

Quilombolas vencem eleição para prefeito em 17 cidades

Candidatos que se declararam quilombolas venceram as eleições para...

Saiba quem são os 55 vereadores eleitos para a Câmara Municipal de São Paulo em 2024

Os moradores de São Paulo elegeram 55 vereadores neste...

Constituição, 36 anos: defender a democracia

"A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação...

para lembrar

Ensino, domesticação e desigualdade

“Reforma” do ensino médio de Temer pode basear-se em...

Chauí: Qualquer coisa que diga sobre a mídia será obscena

Chauí: Qualquer coisa que diga sobre a mídia será...

Outras impressões, manifestações livres sobre qualquer assunto – Não deixe para amanhã

por Leno F Silva Na semana passada fui surpreendido...

Um caldeirão facista efervecente na Itália e no Mundo

João Mineiro Compreender as estruturas de dominação do...

A cidadania vai além das eleições

Cumprido ontem o dever cívico de ir às urnas eletrônicas nas eleições municipais em todo o país — para quem não precisa voltar e mesmo...

Eleições municipais são alicerce da nossa democracia

Hoje, 155,9 milhões de eleitores estão aptos a comparecer às urnas e eleger seus prefeitos e vereadores. Cerca de 400 mil candidatos, sendo 13.997...

Eleição: Capitais nordestinas matam 70% mais jovens que Rio de Janeiro

As capitais nordestinas matam cerca de 70% mais jovens do que a cidade do Rio de Janeiro, que costuma estar nos noticiários com cenas...
-+=