Os super-heróis das vítimas da violência doméstica no Brasil

Uma patrulha garante o cumprimento de um dos itens mais importantes da Lei Maria da Penha: as medidas protetoras de urgência

Por: MARIANA KAIPPER CERATTI

Há pouco mais de duas semanas, um telefonema acelerou o coração da policial militar Márcia Passos, 41 anos, 23 deles na corporação do Rio Grande do Sul. Acostumada a acompanhar casos de mulheres agredidas, Passos soube que a casa de uma delas estava pegando fogo. O marido da moça começou o incêndio com os filhos do casal ainda lá dentro.

“Como ela ligou imediatamente, conseguimos fazer com que a polícia e os bombeiros chegassem a tempo de salvar as crianças”, lembra a sargento, que atua em Porto Alegre. “Também prendemos o autor do incêndio no mesmo dia, em uma boca de fumo.”

A história acabou bem, mas poderia ter tido outro final se não fosse pelo trabalho da Patrulha Maria da Penha, onde Passos atua desde a fundação, em outubro de 2012. Há 11 equipes presentes em todo o estado, seis delas nos bairros mais perigosos da capital. Todas monitoram os casos de agressões a partir do momento em que recebem a denúncia por parte das vítimas ou de testemunhas.

O trabalho vem tendo boa acolhida no estado, que ocupa o 18º lugar nacional em homicídios de mulheres (4,1 mortes por 100 mil mulheres, segundo o Mapa da Violência 2012). O Brasil, por sua vez, fica em 7º na estatística global de feminicídios, com 4,4 mortes por 100 mil mulheres, de acordo com o mesmo estudo. No relatório anterior (2010), o país estava em 12º.

Viatura lilás

Basicamente, a patrulha vai às casas das mulheres e mostra que elas têm uma rede de apoio. Com as orientações dos policiais, elas podem conseguir a separação, obter a guarda dos filhos, abrir processo contra o parceiro, buscar apoio psicológico e se proteger de novas agressões.

Tal assistência salvou a vida de Fátima (nome fictício), por exemplo. Ela achava que, por ter sido casada com um policial, não receberia ajuda. “Agradeço à patrulha por ter acreditado em mim. Fui agredida tantas vezes que cheguei a perder um seio”, disse.

No primeiro ano de existência, os policiais atenderam 1.971 gaúchas, das quais 537 passaram a ser acompanhadas de perto. As viaturas são facilmente reconhecíveis: todas decoradas com a cor lilás, que no RS simboliza a luta contra a violência de gênero.

Mais do que ajudar as vítimas a enfrentar os agressores, a patrulha garante o cumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (de 2006). Elas têm de se dar em até 48 horas depois da agressão.

Entre outras providências, as medidas permitem à mulher pedir uma ordem judicial para que o agressor deixe imediatamente a residência. Também determinam um limite mínimo de distância entre o homem e a vítima, bem como dos familiares e de outras testemunhas da violência.

Proteção constante

“As medidas estão entre as principais inovações da lei”, resume a promotora gaúcha Ivana Battaglin, vice-coordenadora da Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), que faz parte do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG).

No entanto, a falta de fiscalização faz com que nem sempre as medidas sejam cumpridas. Resultado: o agressor pode voltar e matar a companheira. A falha na proteção, aliás, é considerada um dos motivos pelos quais a Lei Maria da Penha não ajudou a diminuir os homicídios no Brasil, segundo recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Entre outubro de 2012 e o mesmo mês em 2013, a patrulha fez 109 prisões por descumprimento das medidas protetivas (veja outros dados neste blog). Já os pedidos de medidas protetivas de urgência aumentaram 53% nesse período. Nenhuma das gaúchas atendidas pela patrulha foi assassinada.

Com a patrulha e outras iniciativas, a expectativa é reduzir os atuais índices de homicídio: no ano passado, 91 mulheres foram mortas no estado. Desse total, só 16 tinham pedido medidas protetivas de urgência. Duas patrulhas serão criadas até o fim deste ano, e mais 23 ao longo de 2014.

“A patrulha seria algo muito bem-vindo no resto do país (Pernambuco já criou a sua) porque gera um efeito de demonstração na comunidade. Mostra que a lei chegou para valer nos bairros e nas casas”, avalia Boris Utria, coordenador geral de operações do Banco Mundial no Brasil.

Mariana Kaipper Ceratti é produtora online do Banco Mundial

Fonte: El Pais

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