Palco Virtual tem pré-estreia de dança do coletivo CIDA sobre o amor, e peça-filme inédita de O Bonde com olhar sobre o entender-se negro

Com um elenco de artistas com e sem deficiências, o CIDA, do Rio Grande do Norte, aborda em Maré as diferentes maneiras de se relacionar, problematizadas, ainda, por questões como gênero, raça, capacitismo e violência contra a mulher. Já em Desfazenda – me enterrem fora desse lugar, o coletivo paulista O Bonde, dirigido por Roberta Estrela D’Alva, usa o spoken word para levar à cena a trama de quatro crianças salvas da guerra e que crescem em uma fazenda, mas quando jovens, começam a rever-se e a enxergar o mundo e a liberdade de outra forma.

Produções inéditas marcam o Palco Virtual de Cênicas que o Itaú Cultural realiza de 24 a 27 de junho (quinta-feira a domingo). Maré, obra de dança do coletivo CIDA sobre o amor, faz sua pré-estreia dentro da programação falando sobre o amor a partir da situação da pandemia e da realidade dos cinco artistas em cena, seus corpos e suas vivências. O coletivo O Bonde, de São Paulo, por sua vez, estreia Desfazenda – me enterrem fora desse lugar, peça-filme que é a segunda montagem do grupo, na qual a palavra falada conduz a dramaturgia assinada por Lucas Moura, livremente inspirada no filme Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisario Franca. Pensados inicialmente para os palcos presenciais, os dois espetáculos, diante da situação de isolamento ocasionada pela pandemia, ganharam novas produções já voltadas para o audiovisual.

Integralmente gratuito e on-line, o Palco Virtual é realizado de quinta-feira a sábado, às 20h, e no domingo, às 19h, pela plataforma Zoom. Todas as apresentações são seguidas por conversas do público com diretores, elencos e convidados. Os ingressos devem ser reservados via Sympla. Para mais informações, basta acessar www.itaucultural.org.br.

A programação abre no dia 24 (quinta-feira) com Maré, uma metáfora dançada sobre os vários níveis, intensidades e profundidades do amor, considerando-se, ainda, questões de gênero, raça, alteridade, capacitismo e violência contra a mulher. Criado em 2017 pelo CIDA, núcleo artístico de dança contemporânea, fundado por jovens artistas emergentes, negros, com e/ou sem deficiências, radicados em Natal, no Rio Grande do Norte, o espetáculo foi remontado em 2021 como uma obra audiovisual em dança acessível.

“Com a chegada da pandemia, tivemos que repensar o nosso modo de trabalho. A gente não tinha intimidade com o audiovisual, mas acabamos nos aproximando de pessoas da área, e estamos agora trabalhando juntos esse novo modo de pensar a dança”, explica o bailarino René Loui, fundador do coletivo ao lado de Rozeane Oliveira. A dupla integra o elenco de Maré ao lado dos artistas convidados Álvaro Dantas, Jania Santos e Marconi Araujo.

Tomado pelas sensações e possibilidades provocadas pelo momento atual, o CIDA compôs o espetáculo tanto com imagens da performance registradas no palco tradicional quanto de frente para o mar. A proposta de mesclar esses dois ambientes foi registrar o que eles representam hoje: a vontade de ir para as ruas e de voltar aos palcos.

Terceiro trabalho do núcleo formado por artistas com e sem deficiência, a dança do coletivo CIDA sobre o amor Maré traz, também, intrínseca, a acessibilidade. Além de interpretação em Libras, o espetáculo conta com uma audiodescrição pensada para o trabalho e que dialoga com a obra como uma espécie de poema. “Acho que com isso a gente conseguiu criar uma camada a mais para o público vidente e não vidente de uma nova construção em dança”, aposta René Loui, que acrescenta: “Para a gente, acessibilidade e inclusão estão juntas”.

Após a exibição de pré-estreia, Maré, dança do coletivo CIDA sobre o amor. fica disponível até 1 de julho, às 17h, no Youtube do Itaú Cultural www.youtube.com/itaucultural 

Estreia

De sexta-feira a domingo (25 a 27 de junho), o Palco Virtual é da temporada de estreia de Desfazenda – me enterrem fora desse lugar, segunda montagem do grupo teatral paulista O Bonde e que trata de questões ligadas ao corpo e à subjetividade de pessoas negras diante do processo de abolição inconclusa no Brasil.

Com pesquisas voltadas à investigação sobre o corpo negro periférico e à construção de um imaginário antirracista, O Bonde tem em Desfazenda – me enterrem fora desse lugar sua primeira montagem para o público adulto, depois da bem-sucedida estreia em 2017 do infantil-preto Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus. A nova produção se propõe a investigar o processo de descobrir-se uma pessoa negra, a partir da dramaturgia de Lucas Moura livremente inspirada no filme Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisario Franca. No documentário, a descoberta de tijolos encontrados em uma fazenda com o símbolo da suástica desvendou a história de crianças negras que foram levadas de um orfanato para essa fazenda.

Na peça, a atriz Marina Esteves e os atores Ailton Barros, Filipe Celestino e Jhonny Salaberg conduzem a trama na qual quatro pessoas pretas, chamadas de 12, 13, 23 e 40, quando crianças, são salvas de uma guerra por um Padre Branco. Assim, passam a viver na fazenda do Padre, cuidando de tarefas diárias, supervisionadas por Zero, homem preto um pouco mais velho. O Padre nunca sai da capela, a guerra nunca atingiu a fazenda, e sempre que os porquês são questionados, o sino soa e tudo volta a ser como antes. Ou quase sempre. 

O espetáculo, que por conta da pandemia vinha sendo ensaiado virtualmente pelo elenco ao longo do último ano, acabou sendo repensado para o audiovisual e ganhando o formato de peça-filme. Depois de uma imersão de cinco dias em uma fazenda em Caieiras, interior paulista, seguindo os protocolos de segurança, a equipe foi ao palco do Teatro Santa Cruz, em São Paulo, gravar Desfazenda – me enterrem fora desse lugar

Na cena, a dramaturgia de Lucas Moura une-se à direção da atriz-MC Roberta Estrela D’Alva que, nesta primeira vez fora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos como diretora, conduz a nova produção de O Bonde tendo como guia a palavra falada, o spoken word. Utilizando apenas microfone e pedestal, o elenco dá voz ao espetáculo, que conta, ainda, com o registro das vozes das atrizes Grace Passô e Negra Rosa, gravadas especialmente para a montagem.

“O espetáculo traz essa característica que vem do spoken word, das rodas de SLAM, das batalhas de poesia, da poesia falada como fio dessa radicalidade narrativa, poéticas”, detalha a diretora Roberta Estrela D’Alva. “A gente não tem muitos elementos de cenário, para que o público veja tudo o que tem que ver a partir dessa performance da palavra. É para fazer com que, quem tenha que ver essa fazenda, veja pelos olhos, pela palavra, pelo ritmo, pela entonação e memória de quem está falando”, explica.

Em Desfazenda, a força do texto e o protagonismo da palavra são, ainda, potencializados pelas batidas, trilhas e paisagens sonoras criadas pela atriz, compositora e DJ Dani Nega. Uma das poucas mulheres beatmakers do país, Dani assina a direção musical do espetáculo, assim como duas músicas compostas especialmente para ele. 

Reflexões e debates

Com olhares tanto para dados históricos como também para a atualidade, a temporada de estreia da peça-filme Desfazenda – me enterrem fora desse lugar na programação do Itaú Cultural, estenderá as reflexões da cena para bate-papos depois das sessões.

A diretora Roberta Estrela D’Alva aponta que se vive, ainda, uma abolição inconclusa no Brasil. “Estamos em plena decorrência dessa abolição inconclusa, inventando estratégias – e a arte tem um papel fundamental nisso – para questionar coisas que a gente não aceita mais. Na peça, também tem esse passo de descobrir o que aconteceu. Ela fala sobre entender-se negre no Brasil, e isso necessariamente é descobrir a história da escravidão”.

Após as exibições, o público é convidado a participar de um bate-papo com o elenco, a diretora Roberta Estrela D’Alva e o dramaturgo sobre os temas abordados e sua relação com atualidades urgentes da sociedade. A cada dia, o encontro contará com dois convidados: no dia 25, são o dramaturgo, roteirista e ator Daniel Veiga e a jornalista e pesquisadora Mariana Queen; no dia 26, o artista-pesquisador, crítico e professor de teatro amilton de azevedo e a pedagoga, educadora física, aspirante a atriz, performer e poeta Luz Ribeiro; e por fim, no dia 26, a autora, diretora e atriz Luh Maza e Ellen Oléria, musicista e compositora.

Depois da temporada de estreia na programação do Itaú Cultural, Desfazenda – me enterrem fora desse lugar fica disponível até 14 de julho, no canal do YouTube de O Bonde https://www.youtube.com/OBondee

Não percam a pré-estreia da dança do coletivo CIDA sobre o amor, a peça inédita de O Bonde e todas as atrações. Confira as datas para se programar:

SERVIÇO:  

Palco Virtual – Cênicas

De 24 a 26 de junho (quinta-feira a sábado), às 20h

Dia 27 de junho (domingo), às 19h

No site do Itaú Cultural: www.itaucultural.org.br  

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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