Para assessor da Anistia Internacional, chacina do Cabula é resultado de “operação desastrosa”

Operação da polícia baiana matou doze pessoas e deixou outras seis feridas no último dia 6; moradores da comunidade onde ocorreu a ação denunciam intimidação por parte de PMs

Por Anna Beatriz Anjos Do Portal Fórum

Os familiares e amigos das vítimas da chacina do Cabula, em Salvador (BA), continuam sem respostas. Até o momento, nenhum dos policiais militares envolvidos na operação que matou doze jovens há exatamente uma semana foi responsabilizado. Além disso, o governador do estado, Rui Costa (PT), negou os pedidos de encontro como com representantes da Anistia Internacional, que conseguiram se reunir somente com o secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Geraldo Reis.

De acordo com a Polícia Civil da Bahia, a ação deixou também seis pessoas feridas. As investigações prosseguem: nos próximos dias, mais depoimentos serão colhidos, e os laudos periciais são aguardados. Mas o que ficou na Vila Moisés, onde os jovens foram executados, é a sensação de medo e impunidade. “Há uma situação de muito pavor por parte da comunidade”, relata Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional que esteve em Salvador para acompanhar o caso. “Há uma situação evidente de intimidação, a comunidade não confia na apuração que está sendo feita.”

Na quarta-feira (11), uma passeata foi realizada na capital baiana em memória às doze vítimas. Segundo Ciconello, os policiais que cercavam a marcha intimidaram explicitamente os manifestantes. “Os policiais xingavam as pessoas, paravam em frente à passeata e tiravam fotos”, conta o assessor.

Em entrevista à Fórum, ele também comentou a declaração de Costa, que comparou, poucas horas após a chacina, a atuação da polícia a uma partida de futebol. “É uma fala lamentável, que estimula a atuação das forças policiais em desconformidade com a lei”, afirma.

Fórum – Na última quarta-feira, movimentos sociais, familiares e amigos das vítimas realizaram uma passeata em Salvador para repudiar e pedir respostas em relação ao assassinato dos doze jovens. Como transcorreu a manifestação?

Alexandre Ciconello – A marcha foi muito tensa, com intimidação por parte dos policiais que estavam teoricamente fechando as vias para que pudéssemos andar pelas ruas. A comunidade está muito assustada, ninguém quer falar nada. Está todo mundo com muito medo, se sentindo intimidado. Após as mortes, os policiais ficaram rondando o bairro, e mesmo na manifestação houve intimidação. Os policiais xingavam as pessoas, paravam em frente à passeata e tiravam fotos; mesmo com a presença da imprensa, da Anistia Internacional, a OAB, houve intimidação explícita.

Fórum – Qual é a posição da Anistia Internacional em relação à fala do governador Rui Costa (PT), horas após a chacina?

Ciconello – É uma fala lamentável, que estimula a atuação das forças policiais em desconformidade com a lei. Independente de qualquer informação que teria recebido previamente, uma operação policial que deixa doze mortos é desastrosa e merece uma apuração muito detalhada. De antemão, sem saber de qualquer informação, dar uma declaração dessa, como se fosse uma certa licença para que a tropa pudesse agir em desconformidade com a lei, é muito preocupante. Na Bahia, o que a gente vê nos últimos meses é um aumento grande no número de denúncias de violência policial, especialmente promovida pela Rondesp. A declaração do secretário de Segurança Pública também foi muito complicada, como se a execução de “criminosos” não fosse um problema de parte da Segurança Pública.

Há uma situação evidente de intimidação, a comunidade não confia na apuração que está sendo feita. Um dia após a chacina do Cabula, a Rondesp fez outras três vítimas, de forma muito suspeita. Quinze dias antes, os moradores nos contaram que houve, no mesmo bairro, outros dois jovens mortos. Então, há uma situação de muito pavor por parte da comunidade. Uma fala como essa só corrobora com essa sensação de medo, que se materializa em ações concretas – logo após os assassinatos, há a presença ostensiva e intimidadora da polícia na região. Todo argumento oficial é esse, de que, ser for bandido, então tudo bem. Por isso, eles querem puxar a ficha de antecedentes das vítimas, na tentativa explicita de culpabilizá-las. Não falamos com nenhuma testemunha ocular, porque as pessoas estão com muito medo, mas a versão que corre na comunidade, dada por pessoas diferentes, é a de que os jovens foram rendidos e executados.

Fórum – Sabemos que a atuação truculenta da polícia de Salvador em relação à população negra, pobre e periférica não é exceção, e sim regra, em praticamente todos os estados do Brasil. A Anistia Internacional considera que essa representa uma das maiores formas de violação de direitos humanos no Brasil hoje? O que tem feito e fará para tentar reverter o quadro?

Ciconello – No ano passado, lançamos a campanha Jovem Negro Vivo, que parte do diagnóstico do alto índice de homicídios de jovens no país, especialmente negros, e da naturalização da sociedade em relação a essas mortes, além da não priorização dessas vidas pelas políticas públicas. Tanto na política de segurança pública não é dada prioridade à redução de homicídios, como na agenda dos governos estaduais e federal. Fora isso, um dos elementos desse quadro é a letalidade policial, sobre a qual temos poucos dados consolidados. A gente não sabe quantas pessoas a polícia mata no país de forma oficial, porque existem, além dos autos de resistência (como foram registradas as mortes de Salvador), milícias, grupos de extermínio e uma série de outras atividades com a participação da polícia, das quais não temos nenhuma dimensão.

A política pública de segurança, direcionada ao confronto, à guerra às drogas, à militarização, é muito letal. De um lado, ela mata, de outro, é muito ineficiente na prevenção e proteção a esses crimes, como também na investigação. Não é um política direcionada para prevenir homicídios, e há uma ineficiência grande da polícia no tocante à investigação, fazendo com que a impunidade alimente esse ciclo de violência. Temos campanhas que pedem que as pessoas se comprometam com a redução desses homicídios, saindo um pouco dessa posição de indiferença e naturalização das mortes e pedindo políticas de redução de homicídios para as autoridades. Nossas ações reforçam muito o perfil da vítima que está morrendo – são jovens negros –, e o fato de que essa situação se repete também nos casos de letalidade policial com outras nuances.

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