Ubiratan Castro de Araújo
Em tempos de eleição, o tema da violência ocupa todas as manchetes. Os indicadores de violência são apresentados sempre em bloco, o que provoca a apreensão de todos. A responsabilidade é sempre atribuída aos governos, que decerto têm a obrigação de manter a ordem, mas que não são onipresentes. O melhor seria identificar os vários tipos de violência para entender os condicionantes de cada um. Um dos tipos de violência que vêm escandalizando o nosso País é a violência praticada por homens contra mulheres, no ambiente familiar e fora dele.
Nos últimos anos, tem aumentado o número, os requintes de crueldade e a banalização desses crimes, de modo que o cidadão comum tende a acostumar-se com eles. É o espetáculo do mundo cão. O homem recusa-se a pagar pensão alimentar e manda esquartejar, desossar e dar sumiço no corpo da mulher; o namorado recusa-se a aceitar o fim de um namoro e sequestra uma jovem, mobiliza a imprensa durante dias e por fim a executa impiedosamente em frente às câmeras de televisão; um velho resolve ter ciúmes de sua mulher há 30 anos e a picota com uma foice na frente dos filhos. Estes são apenas alguns exemplos mais recentes.
Nosso primeiro desafio é tentar entender o agravamento desse fenômeno, neste momento, no Brasil. Certamente que há milênios que homens espancam, violentam e matam mulheres. Mas a história nos mostra que esses tempos já estão sendo superados pela luta feminina por emancipação e por igualdade, bem como por novas condições de inclusão social, política e econômica das mulheres na vida social. Já não vivemos mais no século XIX, em que o deputado liberal baiano Domingos Borges de Barros proclamava que era preciso acabar com duas escravidões no Brasil: a dos negros e a das mulheres! A pergunta que se impõe é por que a violência contra as mulheres não diminui sensivelmente na mesma proporção dos avanços democráticos? Tendo a buscar na História da Bahia no século XVII algumas pistas. Em sociedades profundamente desiguais, a violência é uma prática de afirmação de privilégios e de supremacias de cada grupo social contra os demais grupos que lhe são imediatamente contíguos. Naquela Bahia do século XVIII, além da violência estrutural dos senhores contra os escravos, grassava a violência de homens livres pobres contra escravos, a violência de crioulos (negros brasileiros) contra africanos, havia mesmo a violência de escravos de senhores mais ricos e poderosos contra outros escravos de senhores menos ricos e menos importantes. Naquele tempo, como hoje, aumentava a violência em conjunturas em que os privilégios e supremacias são ameaçados.
No momento em que estamos construindo uma sociedade que tende para a igualdade entre homens e mulheres, antigos beneficiários do poder masculino, inconformados com a cidadania feminina, tentam pela violência privada reafirmar os seus próprios privilégios.
O que fazer? Esta é uma questão só do Estado?Arepressão exemplar dos criminosos e a proteção das vítimas são fundamentais, mas não é tudo. É preciso que os homens democratas levantem sua voz para dizer aos recalcitrantes que o prestígio e o poder em um Brasil contemporâneo não mais balançam no apêndice viril de cada um. Homens e mulheres disputam igualmente, segundo regras que levam em conta a capacidade de trabalho, a inteligência e o procedimento de cada um e de cada uma. É também preciso dizer aos machões moribundos que nós homens somos mais felizes com mulheres livres, realizadas e cidadãs.
A sociedade também tem sua palavra a dizer. Todos nós devemos apoiar firmemente o processo de promoção da igualdade entre homens e mulheres demodoa não deixar aos inconformados a ilusão de que é possível freá-lo pela violência. Em um momento eleitoral, em vez de culpar o governo, devemos aumentar a presença de mulheres em espaços de poder, de modo que elas próprias possam contribuir para a consolidação da cidadania plena, geral e irrestrita.
Podemos, sim, conclamar a todos: não cometam nenhuma violência contra as mulheres, não batam nem matem suas companheiras, pelo contrário, votem nelas.
Publicado pelo Jornal A Tarde