“Perus sob ameaça: incinerador de lixo põe em risco a saúde pública e o meio ambiente

21/10/25
Enviado para o Portal Geledés
Obra da concessionária Loga pode trazer risco de câncer à população e destruir o meio ambiente; futuro incinerador está localizado próximo às terras indígenas do Jaraguá e do Refúgio da Vida Silvestre do Parque Anhanguera; próxima reunião será no dia 8/11, na Comunidade Cultural Quilombaque. Venha!

A possibilidade de um incinerador de lixo no bairro de Perus, região noroeste da capital de SP – ao lado das terras indígenas do Jaraguá – tem revoltado a população, que aponta não ter sido consultada para a implementação da iniciativa. 

O projeto é da Loga, concessionária que cuida de resíduos sólidos urbanos, como a coleta domiciliar, e já está em fase de aprovação na CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). O projeto é nomeado como Unidade de Recuperação Ambiental (URE) Bandeirantes e está sendo vendido como uma “nova tecnologia” para tratar os resíduos sólidos, quando, na verdade, é uma tecnologia criticada em diversos países do mundo.

“O movimento ‘Incinerador de Lixo em Perus, não’ – formado por moradores da região, e ativistas ambientais que lutam contra políticas predadoras –  convoca a sociedade para apoiar a luta contra todo e qualquer incinerador na cidade de São Paulo. Os moradores de Perus e região sonham e lutam há anos pelo Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá-Perus-Anhanguera (TICP-JPA), que pensa uma cidade mais humana. Essa nova tentativa de lixão em Perus é um grande retrocesso. Queremos mais investimentos nas políticas públicas de resíduos sólidos, com a criação de cooperativas e maior incentivo e financiamento no projeto do Cinturão Verde Noroeste e nas iniciativas voltadas que tentam evitar o colapso ambiental”, aponta o movimento.

O movimento exige e reivindica os seguintes esclarecimentos:

  • Consulta pública junto à população local, onde Prefeitura e a concessionária Loga expliquem de maneira transparente seus objetivos; 
  • Implantação das metas e objetivos do PGIRS (Plano de gestão Integrada de Resíduos Sólidos) de São Paulo, que não avançaram de maneira consistente e não incluíram a instalação de incineradores. Trazendo iniciativas para instalação de unidades de compostagem e correto recolhimento de materiais recicláveis, considerando o aporte para instalação de Cooperativas de Reciclagem;
  • Atenção da CETESB para a reprovação do empreendimento denominado Unidade de Recuperação Energética – URE Bandeirantes (incinerador de resíduos em Perus), diante de todos os problemas relacionados à saúde pública e ao meio ambiente;


REFÚGIO DE VIDA SILVESTRE EM RISCO

Hoje, Perus concentra um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica de São Paulo, sendo o Anhanguera o segundo maior parque municipal da capital, com cerca de 9,5 milhões de m². No parque, está a maior unidade de conservação da cidade: o Refúgio de Vida Silvestre (RVS), que protege tanto a fauna quanto a flora local, espécies ameaçadas de extinção, como aponta a própria Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente.

“Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela Loga mostra que a área de influência do incinerador pode afetar indiretamente o Refúgio da Vida Silvestre e todo o bairro de Perus, que pode sofrer principalmente pela poluição do ar”, aponta a engenheira e moradora do bairro, Sirlei Bertolini Soares, também membro do Conselho Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de São Paulo (CADES) e do Conselho da RVS Anhanguera.

Além disso, a população alerta que a área onde se pretende implementar a iniciativa é historicamente contaminada por gases tóxicos – principalmente metano e dióxido de carbono — representando alto risco ambiental.

“Construir um incinerador sobre ou próximo a um local com presença de gás inflamável como um aterro sanitário que ainda gera biogás metano — que é altamente inflamável e ainda pode estar acumulado no subsolo — é uma atividade potencialmente perigosa, criando riscos de explosão e incêndio em grande escala. Só poderia ser reutilizado com base em estudos técnicos que monitorem a qualidade da água e do solo”, alerta a química e moradora Thaís Santos,  também cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e conselheira da WWF-Brasil.


RISCO DE CÂNCER E DOENÇAS CRÔNICAS

A exposição contínua a emissões de incineradores está cientificamente associada a diversos riscos à saúde, tanto para os moradores do entorno, quanto para os trabalhadores das instalações, especialmente para faixas etárias vulneráveis, como crianças e idosos. 

“A liberação de poluentes tóxicos no ar, como dioxinas, furanos, metais pesados e partículas finas, têm alto potencial bioacumulativo, capazes de se acumular nos tecidos biológicos e causar efeitos crônicos. Óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e compostos orgânicos  são associadas a doenças respiratórias, como asma, bronquite crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica e infecções respiratórias recorrentes”, explica Thaís Santos.

Segundo a química, os metais pesados como mercúrio, chumbo e cádmio são associados a doenças neurológicas e cognitivas, como déficits de atenção, aprendizado e desenvolvimento neurológico e risco aumentado de doenças neurodegenerativas como parkinson e alzheimer.

“As dioxinas e furanos, altamente cancerígenos, são subprodutos da queima de resíduos, principalmente plásticos e materiais clorados. Essas substâncias se acumulam no tecido adiposo humano e são de longa persistência no ambiente sendo associados ao câncer de pulmão, câncer de fígado, câncer de mama, leucemias e linfomas”, alerta Thaís.

TERRAS INDÍGENAS EM PERIGO

As Terras Indígenas do Jaraguá, dos povos Guarani-Mbya, estão a aproximadamente 7km de distância de onde se pretende construir o incinerador. A população indígena, no entanto, não foi consultada.

De acordo com o IBAMA, a depender da localização da atividade ou empreendimento, outros órgãos, como a FUNAI, devem ser envolvidos no processo de licenciamento ambiental federal.

“Funai [deve ser envolvida] quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena”, aponta resolução no site do Ibama.

RECICLAGEM E EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO SOLUÇÃO

Além de Perus, há projetos de instalações de incineradores de lixo em outros dois pontos na cidade, sendo um deles em São Mateus (Zona Leste) e outro na Zona Sul da capital. Em São Mateus, onde há um projeto de implantação de incinerador pela empresa Ecourbis, e a tentativa de derrubar mais de 63 mil árvores, a população também vem se organizando na Frente Popular Contra Ampliação do Aterro de São Mateus. O Ministério Público pediu que a justiça impedisse a ampliação do aterro sanitário em São Mateus.

Segundo a química Thaís Santos, o modelo de incinerador não é circular nem sustentável e, a longo prazo, compromete a hierarquia de gestão de resíduos, que prioriza a redução, reutilização e reciclagem.

“A dependência da incineração para viabilizar energeticamente essas instalações pode perpetuar a geração contínua de resíduos e dificultar a transição para uma economia circular mais sustentável.  Incineradores precisam de resíduos com alto poder calorífico para funcionar bem (plásticos, papel, borracha, etc.) justamente os materiais mais recicláveis. Um retrocesso que desestimula alternativas mais sustentáveis, como reciclagem e compostagem, estagnando políticas nacionais de economia circular e de redução de resíduos sólidos”, aponta.

A Prefeitura de São Paulo recicla menos de 3% dos resíduos domiciliares. Essa porcentagem aumenta quando se inclui o serviço realizado por catadores de materiais recicláveis, profissionais que não recebem o devido pagamento pelo seu trabalho. Na compostagem, os valores são irrisórios diante do que poderia ser feito.

“A atual gestão não fez a lição de casa para reduzir a quantidade de resíduos encaminhados aos aterros sanitários. A cidade já estaria desviando mais de 70% se tivesse cumprido as metas de reciclagem e compostagem previstas no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, instituído em 2014”, afirma a socióloga Elisabeth Grimberg, fundadora do Instituto Pólis, que atua desde 1989 em prol do reaproveitamento integral de resíduos, por meio da compostagem/biodigestão e reciclagem com integração socioeconômica das catadoras e catadores.

HISTÓRICO DE LUTAS AMBIENTAIS EM PERUS

Os moradores de Perus conviveram durante anos com diversos elementos prejudiciais à saúde, mas sempre reivindicaram melhores condições de vida reunidos em movimentos populares, inclusive criando instrumentos inovadores que se preocupam com justiça ambiental e social como o TICP Jaraguá-Perus-Anhanguera Território da Cultura e da Paisagem). Abaixo, um histórico de algumas lutas empreendidas pela população:

1979 – A comunidade organizada, durante campanha da fraternidade da igreja católica, cujo tema era natureza e meio ambiente, em Perus, tal campanha se baseou na poluição provocada pela emissão do pó de cimento produzido pela Fábrica de Cimento Portland Perus e ficou conhecida como “O pó de cimento esmaga a vida”, que buscava por respostas à falta da instalação de filtros em suas chaminés para diminuição dos poluentes.

1979 – Aterro Sanitário Bandeirantes foi inaugurado em 1979. Com cerca de 1.400.000 m² (ou ~140 hectares) recebeu durante 28 anos (de 1979 até 2007) aproximadamente 35 a 40 milhões de toneladas de resíduos urbanos/domésticos – cerca de 5.000 a 7.000 toneladas de lixo por dia nos períodos de pico. Um grupo de moradores de Perus fundou a associação Perus Unido pela Qualidade de Vida, que, juntamente com outras entidades e lideranças, durante anos, lutou pela desativação do lixão.

2001/2002 – Lixão +1 não! foi o nome do movimento que até hoje está na memória da população local. De forma amplamente debatido na comunidade, pelos moradores, comerciantes, igrejas, escolas e etc , essa campanha denunciava a proposta da instalação de um novo aterro, próximo da Rodovia dos Bandeirantes e a quinhentos metros do Aterro Bandeirantes.

2003/2004 – Ameaça de instalação de aterro sanitário na Chácara Maria Trindade, distrito Anhanguera, o qual, graças à mobilização da comunidade, não aconteceu. Em seguida, nova mobilização ocorreu contra o projeto de implantação de aterro de biossólidos da SABESP, o qual também não foi adiante por causa da luta da população que garantiu a permanência do Acampamento do MST Irmã Alberta, até o presente momento no local.

2010/2011 – Grupos organizados realizam discussões sobre o Parque Linear Ribeirão Perus, projeto apresentado pela Prefeitura que pretendia solucionar problemas das enchentes no centro do bairro.

2014 – Grupos organizados participaram dos debates sobre o Plano Diretor Estratégico da cidade de SP, propondo a criação do TICP (Território da Cultura e da Paisagem) Jaraguá-Perus-Anhanguera e do “Parque Luta dos Queixadas”, próximo à antiga Fábrica de Cimento Portland Perus, tombada pelo Conpresp. 

2019 – Moradores do bairro participaram das discussões do Plano de Ações de Emergência para Barragens, por causa da represa de uma das pedreiras da região, atualmente desativada.

SERVIÇO
Reunião do movimento “Incinerador de Lixo em Perus, não”
Data: 08/11
Horário: 15h
Local: Comunidade Cultural Quilombaque
Endereço: Travessa Cambaratiba, 05, ao lado da estação de trem de Perus

Imprensa: escreva para o e-mail [email protected] ou por meio da página no instagram https://www.instagram.com/incineradordelixoemperusnao/

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