Com fim de apoio à descriminalização, o Brasil vai descumprir compromissos internacionais, dizem ONGs de direitos da mulher
Após pressão da igreja, Lula deverá fazer um documento com a defesa genérica do assunto apenas dentro do contexto de saúde pública
JOHANNA NUBLAT
Entidades que defendem os direitos da mulher classificaram ontem como “grave retrocesso” a revisão do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos no trecho de defesa do aborto. De acordo com os grupos, o Brasil vai descumprir compromissos internacionais.
O texto original do decreto dizia que o governo apoiaria “projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”.
Após pressão da Igreja Católica, o presidente Lula recuou e deverá fazer um documento com uma defesa genérica do assunto apenas dentro do contexto de saúde pública. Pela nova redação que o governo estuda fazer será retirada a parte que fala da autonomia da mulher.
“O governo dá um passo atrás, não se posiciona e deixa de cumprir compromissos internacionais em termos de direitos humanos [Convenção do Cairo e Pequim]”, disse Beatriz Galli, assessora de direitos humanos do Ipas Brasil (ONG que promove os direitos reprodutivos da mulher).
Télia Negrão, secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, disse acreditar que o recuo tem o objetivo de diminuir a pressão de grupos organizados sobre outros pontos polêmicos do decreto, como a comissão da verdade e a união entre pessoas do mesmo sexo.
A ministra Nilcéa Freire (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) afirmou, via assessoria, que defende o programa, cuja elaboração acompanhou. Ela coordenou, em 2005, terceiro ano do governo Lula, a instituição de uma comissão para revisar a legislação punitiva que trata do aborto.
Como resultado, um anteprojeto de lei foi encaminhado à Câmara, tornando legal a interrupção da gravidez feita em gestações de até 12 semanas. O texto também permitia o aborto nos casos de fetos com malformação incompatível com a vida e mantinha os casos atualmente previstos na lei -risco de morte da mãe e estupro.
A proposta foi anexada a um dos projetos que tramitam no Congresso sobre o assunto e está parada na Câmara.
“Consideramos o anteprojeto uma proposta ideal”, afirmou Kauara Rodrigues, assessora do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). “Como está hoje não dá, tem que ter avanços”, disse Paula Viana, coordenadora do programa de política das Jornadas pelo Aborto Legal e Seguro.
Diferentemente das entidades, a secretaria especial do governo não vê a revisão do decreto como um recuo.
Segundo Sônia Malheiros Miguel, subsecretária de articulação institucional da secretaria, o governo já se posicionou de maneira favorável à ampliação da possibilidade do aborto, por exemplo, no caso de fetos anencéfalos.
A ampliação do aborto legal também foi aprovada pelo terceiro Congresso do PT, em 2007. Por defenderem posição radicalmente contrária, dois deputados foram pressionados a se retirarem do partido.
Fonte: Folha de São Paulo