Embora não apresentem mudanças significativas no padrão de consumo, a população negra – composta por pretos e pardos – morre consideravelmente mais por causas ligadas às bebidas alcoólicas do que a branca no Brasil. É o que mostra a pesquisa Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2024, conduzida pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), lançada nesta sexta-feira.
Com base em dados de 2022, os mais recentes disponíveis nas bases de dados consultadas do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), foram 10,4 mortes a cada 100 mil pessoas negras no Brasil, uma taxa 30% maior que os 7,9 óbitos a cada 100 mil pessoas brancas.
Isso embora a última edição da pesquisa Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis), de 2023, tenha revelado que o padrão de consumo é semelhante entre as populações: 7,5% dos brancos, e 6,7% dos negros, relataram beber três ou mais vezes na semana.
— O primeiro olhar pode ser de que pessoas negras estariam fazendo um consumo mais abusivo de álcool. Mas a resposta é não, quando vemos os dados de uso abusivo a prevalência é muito semelhante, as proporções são muito parecidas — diz Mariana Thibes, que é doutora em sociologia e coordenadora do Cisa.
O uso abusivo é considerado como a ingestão de pelo menos quatro doses para mulheres, e cinco, para homens, em uma única ocasião. A dose equivale a 14g de álcool, o presente numa lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de destilado. De acordo com a Covitel, 21,4% da população branca, e 22,9% da negra, relatou uso abusivo de álcool.
— A explicação para a maior taxa de mortes entre os negros está na desigualdade no acesso aos serviços de saúde. Uma pessoa branca encontra com mais facilidade um tratamento para problemas relacionados ao álcool. Já a população negra enfrenta mais barreiras, estigma, preconceito — avalia Mariana.
O novo relatório do Cisa mostra que isso é ainda mais evidente entre o sexo feminino. Enquanto a taxa é de 1,4 morte a cada 100 mil mulheres brancas, ela chega a 3,2, mais que o dobro, a cada 100 mil mulheres pretas. — Apenas por alcoolismo, 72% das mortes de mulheres são entre pretas e pardas — cita a pesquisadora.
Em relação aos níveis de consumo abusivo de álcool de um modo geral, Mariana diz que os brasileiros não figuram entre os piores do mundo, mas que poderiam estar com índices melhores:
— O Brasil não está entre os países que mais bebem, embora muitos pensem que sim. Mas está acima da média mundial, então poderíamos estar melhores. Ao longo dos anos, a tendência é de estabilidade, não de queda, como seria ideal. E hoje não temos uma política pública específica para enfrentar esse problema.
Ela vê como preocupação ainda o dado da Pesquisa Domiciliar sobre o Padrão de Consumo de Álcool e suas Características Sociodemográficas no Brasil, realizada pelo Cisa com o Ipec, que mostrou que 75% dos consumidores abusivos no Brasil acham que são moderados.
Internações e mortes
O novo relatório do Cisa avaliou ainda os números de 2022 de internações e mortes gerais por álcool no Brasil. Foram 33 óbitos associados ao álcool a cada 100 mil habitantes no ano.
— Tínhamos uma queda nas mortes de 2010 a 2019. Em 2020, voltaram a aumentar como um reflexo da pandemia. Em 2022, caiu um pouco, mas não retornamos aos níveis pré-pandêmicos. Isso é um ponto de alerta para observarmos se vai haver uma queda ou se as pessoas continuaram com um padrão de consumo nocivo e sem acesso a tratamento — explica Mariana.
Sobre as internações, ela diz que houve uma queda muito significativa, porém provavelmente associada à redução de leitos com a reforma psiquiátrica: — E não vimos uma redução nas hospitalizações que acabam em morte. Muito provavelmente porque pessoas em estados mais graves foram internadas.
Entre 2010 e 2023, por exemplo, houve um aumento de 3% para 6% nas hospitalizações por álcool que terminam em morte, ao mesmo tempo em que a taxa de internações por 100 mil habitantes caiu de 57 para 27.