Por um mundo mais feminino

Há algum tempo, bombou na internet um teste que dizia se seu cérebro era mais masculino ou feminino. Achei interessante, mas o curioso, mesmo, foi observar os resultados da minha timeline no Twitter: homens se vangloriando de seus cérebros mais masculinos do que femininos e… Mulheres se vangloriando dos seus cérebros mais masculinos do que femininos. Ou seja, todo mundo se orgulhava de ter um cérebro mais macho do que fêmea.

Fiquei pensando: o feminino é mesmo tão ruim assim?

por  no Brasil Post

Tradicionalmente, o feminino é o terreno da delicadeza, das flores e poemas, enquanto o masculino é reduto da força, do destemor, da agressividade. Essa distinção tão antiga fica clara quando olhamos os produtos voltados para as crianças: brinquedos de menina são delicados e as roupas têm estampas de flores, enquanto os brinquedos dos meninos incluem espadas, nenhum coraçãozinho e muito azul.

Como mãe de uma menina, sempre me incomodei com essas diferenças alimentadas (acho “impostas” meio forte demais) pela sociedade. Meninos e meninas são pessoas e essa coisa de reforçar os estereótipos de gênero pela tal da sociedade – nas escolas, na mídia, na convivência cotidiana com os outros – é nociva e empobrecedora para os dois gêneros. Mas daí a considerar o feminino como inferior ao masculino é, na minha opinião, uma distorção. Porque uma coisa é passar a seguinte mensagem às crianças: “vocês podem ter a personalidade que vocês têm, não importa se são meninos ou meninas”. Isso é superbacana e tal. Outra bem diferente é dizer: “Pessoal, o masculino é bom. O feminino é ruim”.

Penso nessa distorção quando me lembro da minha timeline comemorando o resultado masculino no tal teste do cérebro. Penso nessa distorção quando vejo uma mulher se vangloriando de gostar de cerveja, de entender de futebol, de não gostar de filmes de “mulherzinha” e preferir filmes “de ação”. A impressão que tenho é que pega meio mal ter hábitos tidos como femininos. Ou que, pelo menos, pega mal em determinados círculos. E acho isso uma pena. Cada um que goste do que quiser. Seria tão legal quem gosta de futebol continuar gostando, quem não gosta continuar não gostando e pronto, independentemente do sexo. Sem drama, sem implicância, sem achar que as características consideradas masculinas são superiores e que mesa redonda sobre futebol é coisa séria, enquanto desfiles de moda são bobagens.

A agressividade do masculino sem a delicadeza do feminino é um perigo para o mundo. Ano passado, ganhei um livro chamado História da Virilidade, que faz justamente essa observação no volume 3. No início do século 21, a virilidade entra em crise: os dois sexos caminham para a igualdade e as guerras passam a ser vistas não como demonstrações de força e coragem, mas como massacres. Em meio ao sangue derramado ao longo da história, ganham voz os direitos humanos. Que, pode-se dizer, têm, como guias, características ligadas ao feminino: a sensibilidade, a ternura, o pacifismo das mulheres que não querem perder seus filhos e maridos na guerra.

Se queremos, homens e mulheres, um mundo mais feminino (e acho que muitos de nós querem), como odiar o feminino? Como achar que o que é associado ao feminino é sinônimo de fraqueza ou inferioridade?

Note que estou dizendo “um mundo mais feminino”, e não “um mundo “feminino”. Acho incrível pensar no equilíbrio entre feminino e masculino, sem que um queira dominar o outro. E note, por favor, que quando digo “masculino” ou “feminino” não estou me referindo ao homem ou à mulher necessariamente. Afinal, como o próprio teste do cérebro que bombou na internet nos lembra, todos nós, homens e mulheres, temos um lado feminino e um lado masculino. E, felizmente, não falta homem que abraça seu lado feminino sem achá-lo inferior a nada: é só se lembrar de, por exemplo, Fernando Pessoa ou Carlos Drummond de Andrade.

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