Portugal – Este país não tem sido para todas nem para toda a gente

Temos pela frente o grande desafio de vencer a negação do racismo e conquistar a igualdade de direitos para todas as pessoas que vivem em Portugal, independentemente da nacionalidade ou pertença étnico-racial.

Por Beatriz Dias, do Esquerda

Beatriz Dias (Foto: Paula Nunes)

A defesa intransigente da democracia impele-nos a um combate sem tréguas ao racismo e à xenofobia. O racismo não é uma opinião, é um ataque à democracia e à liberdade individual, que perpetua estereótipos, produz e reproduz desigualdades que mantêm homens e mulheres, jovens e crianças, apontadas como o “outro” ou a “outra”, em situações de desvantagem e exclusão social, impedindo o acesso a direitos fundamentais.

Esta discriminação tem uma história, que foi sendo construída ao longo dos tempos, forjada pela exploração capitalista, alicerçada na escravatura e no projeto colonial português. Uma história de subjugação cujos efeitos ainda se fazem sentir, mas que é negada por mitos da identidade nacional que promovem a ideia de uma nação intercultural e multirracial como se não houvesse nem história nem memória.

Estes mitos têm dificultado o reconhecimento das manifestações de racismo estrutural na nossa sociedade. Mas o racismo existe e tem consequências graves e profundas na vida das pessoas.

Este país não tem sido para todas nem para toda a gente e tem que ser para todos e todas.

Não tem sido para os milhares de mulheres africanas e afrodescendentes que todos os dias acordam de madrugada para irem limpar as casas e escritórios do centro da cidade, onde não moram, regressando a casa já de noite, mulheres com dois ou mais empregos, sem contrato ou com contratos a prazo, alvos fáceis da precariedade e da exploração.

Este país não tem sido para a comunidade cigana do Bairro das Pedreiras, em Beja, que durante anos viveu separada do resto da cidade por um muro construído pela autarquia, que a própria comunidade acabou por conseguir derrubar.

Não tem sido para os jovens negros violentados na esquadra de Alfragide, cujos agressores foram condenados na sua maioria com pena suspensa e ilibados das acusações de tortura e racismo.

Este país não tem sido para os imigrantes indianos ou nepaleses que trabalham de sol a sol em explorações agrícolas no Alentejo, recebendo salários tão diminutos como as casas que são obrigados a partilhar com tantos outros que vivem em situações semelhantes.

Não tem sido para todas as pessoas ciganas que são vítimas recorrentes de um violento discurso de ódio, que, por regra, permanece na total impunidade.

Este país não tem sido para aquelas e aqueles que são estrangeiros no seu próprio país, privados da nacionalidade portuguesa por serem filhos e filhas de imigrantes.

Não tem sido para as pessoas migrantes cuja vida está presa nas malhas da ineficiência ou da negligência do SEF.

Este país não tem sido para os jovens afrodescendentes que se manifestaram em Janeiro na Avenida da Liberdade, em protesto contra a violência policial ocorrida no Bairro da Jamaica, alguns dos quais acabaram detidos e acusados de participação em motim.

Este país não tem sido para as mulheres brasileiras vítimas de assédio sexual e laboral, para a jovem cigana licenciada a quem é recusado emprego, para a mãe afrodescendente com três filhos que não consegue uma casa que possa pagar, para as pessoas racializadas com deficiência nem para as pessoas racializadas LGBTI, que sofrem discriminações que se cruzam e reforçam.

Este país não tem sido a casa para muita gente e por isso há que o transformar.

As lutas das pessoas racializadas e dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes ocuparam o espaço público com as suas reivindicações, levantando o combate ao racismo e a luta por direitos iguais na agenda política. Com a sua iniciativa legislativa de rutura com o conservadorismo e preconceito, o Bloco de Esquerda aliou-se a estas lutas, defendendo que todas as pessoas que aqui vivem tenham os mesmos direitos e oportunidades. Se somos democracia, somos democracia para toda a gente e essa gente toda é o nosso povo.

A crescente visibilidade desta luta e pressão no parlamento foram decisivas para reverter alguns obstáculos. No entanto, sabemos que a igualdade ainda não está conquistada. É por isso que estamos determinadas e determinados a lutar por ela.

Lutamos por isso para que quem nasça em Portugal seja português ou portuguesa e não tratado como cidadão ou cidadã de segunda.

Para que tantas comunidades racializadas, sobretudo negras e ciganas, não sejam forçadas a viver em territórios segregados nos quais o que falta em serviços públicos e qualidade habitacional sobra em isolamento e exclusão social.

Para que os jovens dessas comunidades não sejam obrigados a frequentar escolas e turmas segregadas, nem condenados a percursos escolares marcados pelo insucesso ou pela fronteira que sempre lhes dificulta os sonhos de alcançar o ensino superior.

Para que a escola pública seja aberta, não subordinada a uma visão eurocêntrica e redutora do conhecimento e da história, uma escola sem barreiras, sem lugar para o preconceito e a discriminação, que garanta a todos os alunos e alunas o direito a construir o seu futuro.

Para que parem as demolições e os despejos desumanos em bairros na sua maioria habitados por comunidades africanas, afrodescendentes e ciganas, que se vêem na rua sem que seja garantida uma alternativa digna.

Para que as pessoas migrantes possam eleger e ser eleitas no país onde vivem e trabalham e contem com uma Lei de Imigração que acolha e garanta direitos e que não os torne reféns de políticas e práticas que excluem e perseguem.

Para que as práticas racistas deixem de ser sancionadas com uma coima, como se de uma infração de trânsito se tratasse, e sejam consideradas como o crime que efetivamente representam.

A nossa vida coletiva depende das escolhas que somos capazes de fazer. No Bloco de Esquerda escolhemos a igualdade. É este o meu compromisso, o nosso compromisso para alcançarmos uma sociedade mais justa e mais democrática. E é esta a causa comum a todas as pessoas que prezam a igualdade de direitos.

São as condições em que esta luta se fará que estão em jogo no dia 6 de outubro.

Esse dia tem que ser um momento de viragem na conquista de direitos e no combate ao racismo. O Bloco de Esquerda apresenta-se a estas eleições com um programa forte para um combate inequívoco ao racismo e à xenofobia e pela defesa intransigente dos direitos das pessoas migrantes.

Este Portugal há-de ser um país para todos e todas.

Intervenção no mega-almoço da campanha eleitoral em Lisboa, no passado sábado, 27 de setembro

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