Conforme estabelecido pela LDB (Lei 9394/1996), alterada pela lei 10.639/03, pelas Diretrizes Curriculares de Educação para as Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, pelo Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) e pela Base Nacional Comum Curricular, história e cultura africana e afro-brasileira são conteúdos obrigatórios do currículo educacional e devem compor os diferentes componentes curriculares nas diversas etapas e modalidades da educação. Neste sentido, a EMEI Antônio Bento, localizada na zona oeste de São Paulo, município que também tem como marco orientador o documento “Currículo da Cidade – Educação Antirracista”, cumpre seu papel na implementação de um currículo democrático que reconhece e valoriza as diferentes matrizes culturais do país.
No entanto, no dia 11 de novembro a escola foi questionada pelo pai de uma aluna que demonstrou descontentamento com o fato de a instituição estar cumprindo o marco legal, especialmente por ter abordado aspectos socioculturais das religiões de matrizes africanas, chegando a intervir sobre o mural que teria sido elaborado sobre a temática na unidade educacional. Após o ocorrido, o responsável pela estudante acionou a Polícia Militar com a alegação de que sua filha estava sendo “obrigada a ter aula sobre religião de matriz africana”.
No dia seguinte (12 de novembro), a escola foi surpreendida por um grupo de 12 policiais militares, com porte de metralhadora, para averiguar a situação. Esta ação da PM gerou constrangimento entre profissionais que atuam na unidade, criando um ambiente de insegurança que afeta e cerceia a liberdade de cátedra prevista no artigo 206, inciso II da Constituição Federal, que estabelece que o ensino será ministrado com base nos princípios da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”.
Geledés Instituto da Mulher Negra atua há décadas na área de educação e reconhece que o racismo religioso é um dos principais obstáculos tanto para a garantia do direito à educação de estudantes de religiões de matrizes africanas, que em muitos casos são expostos a situações que os colocam para fora das escolas, como para a implementação de um currículo antirracista e que reconheça as contribuições africanas e afro-brasileiras para a formação da nação. Desta forma, manifestamos nossa solidariedade à EMEI Antônio Bento e à sua diretora, Aline Nogueira, que diante da pressão teve que solicitar afastamento médico.
Nos preocupa, diante de tantas denúncias de desigualdades que o racismo religioso tem gerado, que o novo Plano Nacional de Educação não trate da pluralidade religiosa, especialmente apontando os mecanismos de exclusão e violência que afetam praticantes de religiões de matrizes africanas.
O novo Plano Nacional de Educação que entrará em votação no Congresso Nacional omite essa problemática, sendo que os termos “intolerância religiosa” e “racismo religioso” não aparecem na lista de emendas analisadas. A discussão se concentra na “liberdade religiosa”. Apenas a proposta de emenda 2512 menciona a “garantia da oferta do ensino religioso, respeitando a diversidade cultural e a liberdade de crença”.
Para que as escolas que cumprem seu papel na implementação de um currículo plural e democrático não sejam submetidas a situações de racismo e violência policial, como no caso aqui relatado, consideramos urgente que o debate e as resoluções do novo PNE se ampliem para essa temática, a fim de garantir de forma nominal e intencional que o combate ao racismo religioso e a redução dos indicadores de exclusão educacional decorrentes deste problema façam parte das metas estabelecidas no documento que irá orientar as políticas educacionais da próxima década.