Primeiro semestre 2013 da UFMT tem 10% de alunos negros nos cursos ‘top’

Apenas 59 negros estão matriculados nos 10 cursos mais concorridos.
Levantamento do G1 foca número de aprovados após adesão lei 12.711.

Por: Dhiego Maia

Apenas 10,8% dos estudantes aprovados nos 10 cursos mais concorridos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) são negros. Das 542 vagas disponibilizadas entre os cursos de maior procura, estudantes autodeclarados negros ocupam 59. O levantamento do G1 leva em consideração a primeira turma de estudantes que, beneficiada pela Lei de Cotas aprovada pela instituição em 2012, inicia o primeiro semestre nesta segunda-feira (20). A UFMT avalia que o número pífio de negros nos cursos de maior prestígio após adesão à Lei 12.711/2012 é revelador, mas não expressa a realidade.

A seleção para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi feita em janeiro, mas, devido a maior greve da história da UFMT em 2012, o último ano letivo foi empurrado para abril deste ano e, por isso, as aulas do primeiro semestre de 2013 vão começar neste mês.

No curso de Medicina, que já foi avaliado como o melhor do país pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), apenas três estudantes negros estão inseridos em meio a outros 80 universitários. Conforme o (Sisu), cada vaga do curso foi disputada por 5.138 candidatos.

No curso de Direito do campus em Cuiabá, que é ofertado no período noturno, apenas um aluno negro foi aprovado para estudar no primeiro semestre deste ano. No período da manhã, outros quatro estudantes negros repetiram a façanha. Somados os dois períodos, o curso de Direito da instituição dispõe de 90 vagas.

As obras da Copa Brasil afora devolveram prestígio à Engenharia Civil, que vivenciou um longo período de retração nos investimentos. O curso da especialidade na UFMT atraiu pelo Sisu 1.808 candidatos. Entre os 52 aprovados, apenas quatro são negros.

Mas um curso listado entre os 10 mais visados da instituição tem no semestre 2013/1 quase 25% dos estudantes matriculados compostos por negros. O curso de Serviço Social, também oferecido no campus da capital, conta com 17 alunos autodeclarados negros.

O levantamento do G1 também mostra que as mulheres são maioria entre os estudantes negros que conseguiram uma vaga nos cursos mais concorridos da UFMT. Elas ocupam 31 vagas contra 28 dos homens. Ao todo, apenas dois alunos negros matriculados no semestre 2013/1 não são de Mato Grosso. Eles vão cursar Medicina e nasceram nos estados de Goiás e Minas Gerais.

Para a pesquisadora das Relações Raciais na Educação, a doutora Cândida Soares da Costa, a quantidade mínima de negros em cursos ‘top’ revela um avanço. “A possibilidade das cotas garantiu que em todos os cursos haja pelo menos um negro, o que não acontecia no passado. É um avanço importantíssimo, mas que está longe do ideal. Ninguém quer que o avanço pare onde está. A universidade é pública e tem que expressar todos os seus segmentos”, destaca.

Em entrevista ao G1, a coordenadora de Políticas Acadêmicas e Ações Afirmativas da instituição, a antropóloga Carmen Lúcia da Silva, também explica que os alunos negros podem ter ingressado na universidade via cotas sociais. “Até pela questão da desinformação, eu acredito que muitos deles conseguiram uma vaga pelo critério da baixa renda e não acabaram entrando pelas cotas raciais”, afirma.

A coordenadora ainda lembra que os estudantes que se autodeclararam pardos podem ter conquistado a maior fatia das vagas destinadas às cotas raciais. De acordo com o Termo de Adesão ao Sisu 2013 assinado pela reitora Maria Lúcia Cavalli Neder, a UFMT disponibilizou 2.544 vagas para ampla concorrência e outras 2.579 no regime de cotas, um total de 5.123 vagas distribuídas entre os quatro campi da instituição.
Para participar da edição do ano que vem do Sisu, é preciso se inscrever no Enem 2013 até o dia 27 de maio.
10 anos para as cotas

Até chegar à implantação de um sistema de cotas funcional que agregasse a renda e o fator racial para a concessão da vaga ao estudante cotista, a UFMT demorou 10 anos. A primeira discussão ocorreu em 2003, quando a universidade criou um sistema de sobrevagas. Na época, a ideia era criar novas vagas em todos os cursos para negros, brancos e indígenas de baixa renda. O sistema acabou solapado pela burocracia e caiu no esquecimento.

Em 2011, após uma manifestação do Ministério Público Federal (MPF) que questinou o tratamento dado pela instituição ao sistema de sobrevagas, a UFMT implantou o Programa de Ação Afirmativa reservando vagas para estudantes de escolas públicas e negros de baixa renda. Em agosto de 2012, a instituição adequou seu programa à Lei das Cotas. Negros, pardos, índios e estudantes de escolas públicas de baixa renda passaram a ter acesso a 50% das vagas na maior instituição pública de ensino superior do estado.

Uma das alunas beneficiadas pelo primeiro programa de Ação Afirmativa da UFMT sonha em trabalhar no Ministério da Saúde após a conclusão do curso ‘Saúde Coletiva’. Natalicol do Nascimento, de 24 anos, diz ter orgulho de ser negra e da origem pobre que, segundo ela, não a impediram de estudar. Moradora de um bairro periférico de Cuiabá, a estudante contou ao G1 que será a terceira da família a conquistar um diploma universitário.

“As cotas me ajudaram a entrar na universidade, a ter conhecimento e a passar para frente o que eu aprendi. A primeira coisa que eu penso quando estou na UFMT é que o conhecimento que estou adquirindo lá ninguém vai me tirar”, diz.

“O cotista é taxado como se não tivesse inteligência e que só está ali porque recebeu um auxílio. No começo do curso eu senti mais medo do que incapacidade em compreender as matérias. Hoje, meu coeficiente está em 7,87. É minha obrigação terminar o curso com média nove”, complementa.

Ainda segundo Natalicol, a maior dificuldade do estudante cotista é garantir a permanência na instituição. “Vi colegas meus deixando o curso porque não tinham como se sustentar. Não é porque estou em uma universidade pública que não tenho nenhum custo. São xérox, alimentação e livros que tenho que comprar. Se todos os alunos tivessem uma bolsa, eu acredito que eles largariam o serviço para estudar”, revela a estudante.

Diferente dos colegas de sala, Natalicol integra um projeto que pesquisa a funcionalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado e, pelo programa, recebe mensalmente R$ 400. O dinheiro é a única fonte de renda que ela tem para se manter estudando.

A questão da permanência

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A UFMT diz que um comitê implantado na instituição avalia os impactos das cotas, entre outros, o desempenho e a evasão dos alunos beneficiados pelo sistema. Segundo a antropóloga Carmen da Silva, a universidade disponibiliza uma média de 60 bolsas de permanência por ano para graduandos de baixa renda. Os alunos, segundo ela, podem concorrer a bolsas em programas de extensão, como fez Natalicol, para complementar a renda.

Também para garantir a continuidade dos estudantes cotistas, a UFMT afirma que implantou um sistema para acompanhar o aprendizado de todos eles. Graduandos das licenciaturas vão dar aulas de português, matemática e língua estrangeira em horário diferenciado aos cotistas. Outro programa da mesma natureza batizado de ‘Bolsa Apoio’, vai acompanhar o aluno beneficiado pelas cotas na sala de aula.

“A permanência desse estudante não implica apenas no fator financeiro, mas acadêmico. Nós sabemos que muitos desses estudantes não tiveram um ensino de qualidade no Ensino Médio e tem dificuldades no aprendizado. Todos os alunos que assim desejarem terão aulas em outro horário do curso para conseguirem entender as disciplinas”, diz Silva.

“O aluno negro que ingressa na universidade precisa de uma atenção especial porque está rompendo com inúmeras barreiras”, explica a pesquisadora Cândida da Costa. Ela enfatiza que pesquisas mostram que os alunos negros só conquistaram uma vaga na UFMT nos últimos anos porque foram envolvidos ‘em uma rede de apoio feita pela família e amigos próximos’.

 

Nos 5 cursos mais disputados, USP teve apenas um calouro preto em 2013

 

Fonte: G1

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